Na Câmara, a anormalidade virou coisa normal

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Por: Josias de Souza

A Câmara é uma coisa, o boteco é outra. Mas as duas instituições andam muito parecidas. Com uma diferença: no boteco, ofensa grave termina em socos e garrafadas. Na Câmara, acaba em desconversa e ‘deixa-disso’. Pense na tribuna da Câmara como o balcão de um boteco, entulhado de garrafas vazias de cerveja. Imagine o plenário como o salão onde ficam as mesas de ferro com os pés em ‘X’ e a logomarca da cervejaria pintada no tampo.

Agora suponha que o deputado Anthony Garotinho (PR-RJ), barriga encostada no balcão, chame de “porcos” os colegas das mesas e insinue que são todos corruptos.  E imagine que, falando em nome dos ofendidos, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) declare que o denunciante, “condenado a dois anos e meio de cadeia por ser chefe de quadrilha”, age como “um punguista de praça, que bate a carteira e depois sai gritando ‘pega ladrão’.”

No boteco, uma briga que começa com um sujeito chamando os outros de “porcos” e os outros respondendo que o sujeito não passa de um “punguista” é das tais que pedem para não ser apartadas. É quebra-quebra na certa. Na Câmara, a plateia fica sabendo –se é que já não sabia— que seus representantes são pessoas que se consideram umas às outras dignas de cadeia. E fica tudo por isso mesmo.

“Pediria a V. Exa. que instaurasse um procedimento no Conselho de Ética desta Casa”, disse Eduardo Cunha ao presidente Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Ouviram-se aplausos e gritos de “muito bem”. Líder do PMDB, Eduardo afirmou noutra intervenção que ele próprio, em nome do partido, representaria contra Garotinho. Que não se deu por achado e encostou de novo a barriga no balcão. “Não retiro uma palavra do que disse aqui. V. Exa. faça o que quiser. […] Vamos ver quem é que vai ter peito de assinar a comissão de ética.” Já se passaram quatro dias. E ninguém teve peito.

Muita gente se assombrou com a troca de acusações. Motivo ainda maior para estupefação haverá se a confusão for enterrada viva e a Câmara retomar sua rotina. Espera-se que a encrenca prossiga. É grande, muito grande, enorme a curiosidade sobre os palavrões que estão por vir. Tornou-se insuportável a normalidade do Legislativo. Algo de muito anormal precisa ocorrer para que os congressistas aprendam a essência da ética do boteco. É coisa muito simples. Consiste em levar a sério pelo menos as brigas.

 

Fonte: http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/

 

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