Do ‘rolezinho’ ao desmoronamento do país

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Luiz Flávio Gomes*

O que parecia uma simples brincadeira de jovens marginalizados da periferia (uma simples farra para “catar umas minas” e encontrar uns “parças” – parceiros) já está se convertendo numa grande manifestação nacional. Recordemos: nenhum incêndio começa grande. A onda dos “rolezinhos”, em pleno verão quente, está pegando forte em todo país. E assim será por longo período, porque a conta, do Brasil extremamente injusto e institucionalmente degenerado, está chegando. Nenhuma dor ou sofrimento dura eternamente. O processo de abolição da escravatura ainda não terminou. Acendeu a luz amarela do palácio do Planalto, que já pressentiu que as ondinhas da periferia podem se transformar num grande maremoto.

O discurso indignado das novas convocações nas redes sociais, nas últimas horas, mudou de coloração e aponta alvos certos: “Contra toda forma de opressão a pobres e negros, em especial contra a brutal e covarde ação diária da polícia militar no Brasil” (essa é a chamada de Porto Alegre e do Rio de Janeiro). Se os black blocs pegarem carona no “bonde do rolê”, o país inteiro pode se transformar num campo de guerra (em ano efervescente de Copa do Mundo e eleições).

A razão? O queijo social classista, racista e discriminatório brasileiro conta com muitos furos. As elites burguesas políticas, econômicas, jurídicas e sociais, que sempre taparam seus narizes para a podridão da construção degenerada do nosso país exorbitantemente desigual, não querem sequer enxergar que estão desmoronando o próprio capitalismo, que é o pior de todos os regimes econômicos, com exceção dos demais. O capitalismo, quando conduzido por elites tacanhas e pouco inteligentes, que só pensam nelas, converte-se em uma bomba-relógio, que um dia explode. Esse dia está chegando para o Brasil, desde as manifestações de junho/13. Os burgueses dominantes (e governantes) precisam se conscientizar de que não dá mais para sustentar nosso aberrante apartheid socioeconômico. “Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos todo o tempo” (Abraham Lincoln).

Por que os “rolezinhos” começaram nas periferias? Porque é nelas que estão segregadas as classes sociais dominadas, cada vez mais desesperançadas. Em cada momento vão minguando suas expectativas de alcançarem qualquer novo progresso individual e social, por falta, sobretudo, dos capitais econômico, cultural e social (que são os que realmente criam os privilégios distintivos de classe). Veja o que está ocorrendo com o Enem, um exame nacional de cartas marcadas em favor das classes privilegiadas, A e B. É impossível um aluno de escola pública desqualificada competir em pé de igualdade com os “de cima”. A meritocracia injusta reproduz nosso modelo de sociedade que padece da grave doença da desigualdade crônica.

 *Luiz Flávio Gomes é jurista e diretor-presidente do Instituto Avante Brasil

 

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