Por: Maria Karina / Fotos: Laíra Alves
A sintomática recusa da Cia Teatral Farinha Seca em participar dos festejos do centenário da morte do jornalista carioca Euclides da Cunha e do aniversário de emancipação desta cidade dentro das apresentações de teatro itinerante, então aliado a uma massacrante estadia de atores soteropolitanos no espetáculo Sertão Veredas quando, desde o início dos anos 2000, este grupo tem dado ao público baiano a possibilidade de apreciação saída de uma das grandes promessas do nosso teatro, resultou, neste final de semana, na ida a Santo Amaro da Purificação, com direito a receber seis indicações no Prêmio Anual de Teatro Amador da Bahia.
Além de ser o único grupo a representar Euclides da Cunha, na edição anterior do Fórum Intermunicipal de Teatro Amador (FITA), a peça A Máquina havia recebido 06 indicações, ganhando 03 troféus. A dose foi repetida na sexta edição desse fórum onde se reúnem anualmente artistas baianos de teatro amador, com o espetáculo Senhora dos Afogados (III Ato), do dramaturgo Nelson Rodrigues, que esteve em cartaz durante o mês abril deste ano, no auditório do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Euclides da Cunha.
A peça, então adaptada para o palco (durante a curta temporada, apresentada em arena), foi recebida, no último dia 24 (sexta-feira), pela ovação da plateia do Teatro Dona Canô. O elenco estava menor: com apenas quatro atores, mais a participação especial do diretor e ator Alfredo Junior, concorria mais uma vez, com certo requinte de favoritismo, ao principal e maior encontro do teatro amador do Estado.
Para os que já estiveram na atmosfera experimental de uma peça audaciosamente atemporal, não causou admiração quando Senhora dos Afogados foi anunciada como a grande vencedora do já citado festival. Indicados nas categorias de Espetáculo (Voto Popular), Ator Coadjuvante (Ednael Marcos), Ator (Cleilton Silva), Atriz (Carla Soares), Direção (Alfredo Junior) e Melhor Espetáculo, levaram os troféus destas três últimas para casa.
Aliás, Carla Soares é premiada pela segunda vez consecutiva como melhor atriz (no ano passado levou o troféu pela personagem Karina, n’A Máquina). “Fui pega de surpresa, mas digo que fiquei muito feliz pelo resultado do meu trabalho. Quando recebi o papel de D. Eduarda, não sabia dos resultados. Ensaiamos por muito tempo, e o trabalho de pesquisa ajudou na feitura de uma personagem demasiado complexa”, diz a atriz.
Mesmo sem viver em espaço físico adequado nem tampouco receber o apoio efetivo de patrocínios, a Cia Teatral Farinha Seca faz jus às profecias daqueles que a veem como a grande revelação do teatro produzido no interior da Bahia. Apesar de não ter recebido, desde o seu nascimento, nenhum benefício do poder público, não deixou de levar o nome da cidade para as grandes plateias por onde já passou, nos quase dez anos de produção, e faz, sem dúvida, um trabalho baseado no exercício da pesquisa, que lhe possibilitou criar, no palco e fora dele, peças enxertadas pelo mistério, quando, diariamente, tem de enfrentar uma infinita série de problemas.
“Parece que criamos o teatro pela dor. Dá maior pujança quando exercício teatral da Farinha Seca alia-se ao seu espírito de celebração, de ritual. Daí surge a alegria, o amor. Acreditamos em muitas coisas. Há uma confluência de referências que não formam um sentido próprio. Porque não buscamos sentido-objetivo no que fazemos, e sim uma estética, uma linguagem, sem didatismos. Parecemos os demônios da ação? Talvez. Não há paz quando dizemos a palavra teatro para nós mesmos. Não há como entender. É um misto de racionalidade e misticismo”, dizem os atores durante a comemoração pelos prêmios.
Alfredo Junior, eleito como Melhor Diretor afirma que Senhora dos Afogados terá temporada noturna garantida na cidade. Ainda sem previsão para a reapresentação, a Companhia, prepara-se para apresentações em Salvador, Camaçari, Juazeiro, Inhambupe, Feira de Santana e Pojuca. “Os prêmios deram gás na gente. Ficamos quase sete meses entre ensaios e leituras para fazer Senhora. Agora vamos festejar essa conquista, mas sem parar para o descanso. O teatro é muito efêmero. Se não produzimos, não existimos”, comenta o diretor.
Leave a Reply