Por: Marcelo Kfoury Muinhos*
Urge trazer racionalidade ao debate eleitoral pois geralmente tomamos decisões erradas quando estamos com raiva ou quando agimos puramente pela emoção
Estamos caminhando para a eleição mais fragmentada e radicalizada no Brasil desde 1989, pois até agora não há indícios nas pesquisas de que haverá polarização entre petistas e tucanos como vêm ocorrendo desde 1994. A grande novidade da eleição é a presença de um candidato de extrema-direita, coisa que nunca houve desde a ditadura militar. Essa candidatura nasce da raiva da população contra a classe política e uma reação após tantos anos de domínio petista. Soma-se à esse quadro a desorientação da esquerda, que em meio à prisão de seu principal líder no país, pende para um maior nível de radicalização, sinalizando uma agenda que negligencia a situação econômica e fiscal do Brasil, e simultaneamente ataca a atuação do Judiciário.
O meu objetivo nesse texto é tentar trazer racionalidade ao debate e apresentar as consequências de uma radicalização no quadro político, pois geralmente tomamos decisões erradas quando estamos com raiva ou quando agimos puramente pela emoção.
Primeiramente apresento de modo consistente e um pouco caricatural o perfil do eleitor convicto do Bolsonaro:
– Possui raiva dos políticos, e vê no capitão um político que não é corrupto, um anti-establishment, mesmo ele sendo deputado por 28 anos.
– Sente horror das esquerdas e principalmente do Lula e do PT. É interessante que até voltou o jargão da guerra-fria, quando todos os esquerdistas são chamados de comunistas. Todo mundo é comunista com exceção dos seguidores do capitão.
– Apresenta forte aversão às ideologias que envolvem o politicamente correto. Há um consenso que atualmente temos um exagero no mundo na tentativa de todos sermos não preconceituosos e aceitar as diferenças. O pêndulo está um pouco exagerado para o lado do politicamente correto, mas os eleitores do capitão se apresentam como extremados querendo retorná-lo totalmente para o passado, alimentando até o racismo, a homofobia e a xenofobia.
– Exige uma resposta “forte” à questão da segurança, trazendo até mais violência contra as pessoas consideradas marginais. Aceita propostas de armar a população e acha natural que façam justiça com as próprias mãos, apesar de seu caráter medieval, e em última instância podendo ser caracterizada como um retrocesso no processo secular que deu ao Estado o monopólio da força, assim como o dever de garantir a segurança pública.
Duas preocupações com o candidato de extrema direita:
– Viés estatizante do candidato, que sempre votou como parlamentar para questões corporativas das forças armadas e do aparato de segurança, e agora se apresenta como liberal, terceirizando a economia para o Paulo Guedes. Na minha opinião Paulo Guedes vai durar menos do que o Levy com a Dilma. Bolsonaro não acredita em políticas liberais e rapidamente vai brigar com o economista. Seria interessante ponderar o que é um melhor indicador do futuro: as ações do passado ou as palavras de hoje?
– Caráter autoritário do militar. Não só despreza o poder legislativo como está isolado em termos eleitorais, sem ter nenhuma ponte para o posterior governo, representando risco de crise institucional.
O perfil dos eleitores do PT é muito mais simples. São pessoas que receberam alguma bolsa ou ajuda do governo e acham que melhoraram de vida por causa do Lula e não da conjuntura internacional. São gratos e fieis ao líder e ponto final, sendo Deus no céu e Lula na terra. Entretanto, ainda não há certeza se o poder de transferência de votos do ex-presidente se verifica como no caso de Dilma.
A minha grande indagação com a eleição de alguém do PT é o risco de a eleição implicar em uma tentativa de beneficiar seus próprios aliados e o retrocesso institucional que esse processo causaria nas investigações da Lava-jato. Houve avanços institucionais significativos com a Lava jato que devemos preservar.
A agenda econômica das esquerdas também é altamente preocupante. Há risco concreto de retrocesso explícito nas poucas reformas estruturais que foram votadas no governo Temer, e de um aprofundamento no caminho do corporativismo e da ineficiência estatal, que também foram causas da grande recessão de 2015 e 2016. O mercado vai testar ferozmente os nossos fundamentos como foi o caso na posse de Lula, e dado o perfil muito pior das contas públicas, trajetórias de dominância fiscal a la Grécia são factíveis.
Haveria risco de se voltar ao projeto petista de perpetuação no poder através da corrupção sistêmica, da qual ainda não nos livramos completamente. Além dos projetos de controle da imprensa e do judiciário que parecem que serão novamente tentados pelos esquerdistas.
No plano individual, temos a máxima de que somos reféns das consequências das nossas escolhas, o que também vale para o plano político-social e para as nossas escolhas como nação. Temos uma escolha fundamental para o nosso futuro em outubro e não podemos nos levar pela emoção, e sim analisarmos cautelosamente as propostas e o passado dos candidatos, tanto no Executivo como no Legislativo.
· Professor e Coordenador do Centro Macro-Brasil da FGV-EESP
Fonte: Estadão
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