Entraram na classe intermediária 21,4 milhões de pessoas de 2019 até agosto deste ano, de acordo com estudo inédito do economista Marcelo Neri
Cássia Almeida
08/10/2020 – 20:12 / Atualizado em 08/10/2020 – 22:41
O auxílio emergencial e a queda de renda das famílias de classe média alta fizeram a população no meio da pirâmide de renda, a chamada Classe C, chegar ao seu maior patamar histórico. Segundo estudo do economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, chegou a 63% da população, ou 133,5 milhões de pessoas. O melhor momento tinha sido em 2014, quando alcançou 55,10%.
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— Aumentou muito o auxílio emergencial, com uma dose cavalar de transferência. Em nove meses, representa nove anos do Bolsa Família. Com isso, 15 milhões de pessoas saíram da pobreza.
Outro motivo citado pelo economista é que 4,8 milhões de pessoas da classe média alta (que tem rendimento per capita a partir de dois salários mínimos) perderam renda e desceram para Classe C:
— Essa classe média baixa, identificada com classe C, foi alimentada por boas notícias dos pobres e más notícias de quem estava acima.
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Ian Prates, sociólogo do Centro Brasileiro de Pesquisa e Planejamento (Cebrap), aponta outro motivo para o aumento da Classe C. Pequenos empresários sofreram muito com a crise provocada pela pandemia e esse grupo estava acima da Classe C:
Donos de pequenos negócios, pequenos empregadores foram muito afetados. No início da pandemia, houve dificuldade para o crédito chegar aos pequenos empresários.
Pelo estudo, 21,4 milhões de pessoas entraram na Classe C de 2019 até agosto. Foram 15 milhões que deixaram a pobreza, mais 4,8 milhões da classe média que perderam renda e engordaram a faixa intermediária e mais 1,6 milhão de aumento populacional.
Pobreza continua caindo
Mas é um efeito artificial, alerta Neri. Se o auxílio emergencial acabar no fim do ano, 15 milhões voltam para a pobreza:
— Representa meia Venezuela. Vão para pobreza e ainda com as cicatrizes do mercado de trabalho e os efeitos mais permanentes da pandemia. Saberemos como esses indicadores vão se comportar em setembro, mês que o valor do auxílio foi cortado pela metade.
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Segundo Prates, em metade dos domicílios da Classe C há algum morador recebendo auxílio emergencial.
— A Classe C sem o auxílio seria 10 pontos percentuais menor (53% da população) . Mas a redução deve ser ainda maior. Muitos perderam o emprego, e a retomada deve ser lenta e puxada pelo mercado informal.
O reaquecimento da economia com a flexibilização da quarentena ajudou a pobreza cair ainda mais. Tinham saído da pobreza 13,1 milhões de pessoas de 2019 até julho. Em agosto, foi mais 1,9 milhão, subindo para 15 milhões:
— Um pouco o efeito do reaquecimento da economia ainda com auxílio total — diz Neri.
Houve também volta para a classe média alta, os que têm renda per capita de dois salários mínimos. Até julho, tinham descido 5,8 milhões para a Classe C. Em agosto, um milhão voltou ao topo.
Segundo Lucas Assis, economista da Tendências Consultoria que estuda o movimento das classes sociais, as perspectivas para 2021 não são positivas:
— Em 2021, a massa de renda ampliada (a soma dos rendimentos de trabalho e outras fontes como as transferências do governo) deve apresentar uma forte ressaca com o fim dos repasses emergenciais.
Segundo Assis, mesmo com a reestruturação do Bolsa Família em um novo programa social, a massa ampliada deve diminuir 4,3%.
— A gradual retomada do mercado de trabalho no próximo ano não será suficiente para garantir a manutenção dos rendimentos no mesmo patamar de 2020. A expectativa é que o número de domicílios das Classes D e E não deve reduzir a médio prazo. A mobilidade social no Brasil deve ser lenta nos próximos anos.
Estagnação na economia
Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que há um dilema forte em relação ao auxílio emergencial, que está tirando as pessoas da pobreza, aumentando a Classe C, mas está deteriorando as contas públicas. Por isso, as previsões de crescimento para 2021 começam a cair:
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— É um efeito artificial e localizado em 2020. Esses 65 milhões que estão recebendo R$ 600 vão diminuir de forma significativa, talvez para a casa dos 25 milhões, com valor bem abaixo dos R$ 600. Teremos o efeito rebote, reverso do que estamos vendo agora. Foi uma camisa de força que foi colocada e o governo se aproveita politicamente.
Segundo Vale, a retirada do estímulo também vai afetar o varejo (que chegou ao maior patamar de vendas em agosto, conforme divulgou o IBGE ontem). Ele está prevendo alta de 2,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2021. Porém, será mais um efeito estatístico. A queda forte de quase 10% no segundo trimestre deste ano vai ajudar na comparação com o ano que vem.
— Tirando o efeito do segundo trimestre, voltaremos a crescer 1%, como vínhamos antes da pandemia. E isso deve acontecer de novo em 2022, com o risco fiscal.
— Não tem solução fácil. Precisa ajudar as pessoas, mas, pelo montante, a situação fiscal ficou muito deteriorada. O cenário para câmbio e bolsa não são muito positivos.
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Neri defende que o Bolsa Família seja turbinado, dobrando o gasto para R$ 70 bilhões.
— Vamos ter de descobrir o caminho do meio. Manter o auxílio nos níveis atuais não é possível. Já estamos vendo instabilidade no mercado e fuga de capitais do país. O auxílio foi muito generoso, focado nos mais pobres e ajudou a manter as rodas da economia girando. Acho que chegar aos R$ 70 bilhões seria factível. Um Bolsa Família 2.0.
O auxílio foi o que compensou a perda de renda de Daina Mendonça. Com a quarentena, o salão em que trabalhava suspendeu as atividades e ela deixou de ganhar os dois salários mínimos que recebia. No auge da pandemia, ela e os três filhos sobreviveram apenas com o benefício. Com a reabertura do salão, só 30% do salário foi recuperado.
— Está tudo muito incerto. Temos que tentar driblar o receio dos clientes que não voltaram a frequentar os salões. Não tenho dúvidas de que vou ter que buscar mais bicos para complementar a renda.
Fonte: O GLOBO
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