Por: Vera Magalhães-02/03/2022
Começa nesta quinta-feira o mês do vale-tudo partidário. Graças à aguardada janela criada e reforçada em sucessivas mudanças na legislação eleitoral, deputados poderão zanzar por legendas ao seu bel-prazer até o início de abril sem correr o risco de perder os mandatos.
Mas não ficará restrito a eles o vaivém deste mês. Também pré-candidatos a governador e a presidente aproveitam o saldão de siglas para experimentar que figurino melhor lhes convém para a disputa de outubro.
Será um mês de muita conversa de pé de ouvido, muita promessa de casa, comida e roupa lavada e, ao fim, partidos hoje grandes podem terminar minguados, bem como legendas antes acanhadas podem sair portentosas.
No cenário nacional, algumas das mudanças ensaiadas dizem respeito ao PSDB e ao movimento de diáspora que pode ser deflagrado na janela.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, é o peixe mais graúdo nesse aquário. Sua saída do PSDB depende de uma resposta do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que ficou de dizer depois do carnaval ao PSD se vai ou não se colocar na disputa pelo Planalto.
A esperada saída de cena do senador mineiro deverá vir com a justificativa de que o Senado exigirá muito dele, o que imediatamente deflagrará sua campanha para ser reeleito para o posto na próxima legislatura.
Caso esse prognóstico se confirme, a pressão sobre Leite será grande. Caberá a ele analisar se vale a pena renunciar ao governo nove meses antes do término do mandato e dar uma explicação convincente para fazê-lo depois de ter sido derrotado por João Doria nas prévias partidárias. Solucionadas essas duas primeiras dificuldades, restará uma adicional: confiar que Gilberto Kassab levará até o fim sua candidatura e que ele não terá renunciado ao governo gaúcho para morrer na praia. Não se trata de uma equação fácil, e os riscos são imensos.
Caso decida por uma saída conservadora, caberá a ele outra decisão: disputar ou não a reeleição, algo que sempre disse que não faria.
A decisão de Leite deverá ter impacto na bancada do PSDB na Câmara, que poderá sofrer defecção significativa caso a candidatura de Doria prossiga. Os destinos de até dez deputados tucanos seriam múltiplos, numa diáspora que levaria muitos tucanos à área de influência do bolsonarismo (onde na verdade já estão, graças ao poder de atração do orçamento secreto).
O trânsito desenfreado da janela de trocas será uma “prévia” a indicar a chance de sucesso das federações partidárias, instrumento visto com desconfiança por caciques e parlamentares, por engessar as legendas em todo o país durante um prazo longo.
O problema é também do calendário eleitoral. As federações têm de ser seladas antes das convenções para escolha dos candidatos — sem que haja tempo, portanto, para ver quais dos muitos nomes postos em campo hoje seguirão no páreo quando for para valer.
No cenário atual, as únicas federações garantidas se assemelham mais a anexações de legendas sem chance de sobrevivência pelas próprias pernas que à união de esforços de legendas com tamanho e propósito semelhantes. É o caso do Cidadania com o PSDB e do PCdoB com o PT.
Partidos médios e grandes, como MDB e PSB, têm mais a perder caso entrem em federações com outros maiores ou de tamanho equivalente, e a aposta dos dirigentes é que é muito difícil os entendimentos ora em curso prosperarem.
Transpostas todas essas datas, para troca de partidos, renúncias ou desincompatibilizações e formação de federações, terá decantado toda a espuma que atualmente cobre o mar das eleições deste ano.
Quando isso acontecer, lá em maio, será possível vislumbrar um cenário mais realista na disputa pela Presidência. Até lá, só Lula e Bolsonaro estão assegurados na “cédula”. Todos os demais dependem desse mexe-mexe que começa em março.
FONTE: O GLOBO
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