Dora Kramer – O Estado de S.Paulo
São tantas e tão variadas as controvérsias envolvendo o PSD antes mesmo de oficializado seu ato inaugural, que a ausência de definição ideológica acaba sendo o menor dos questionamentos suscitados pelo partido a ser criado sob inspiração do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.
Até quatro meses atrás era a novidade da estação, destinada a abrigar os insatisfeitos de variadas legendas, uma nova força de apoio ao governo Dilma Rousseff que arrasaria quarteirões oposicionistas depois de depositar a última pá de cal sobre os escombros do DEM.
Entraria bem na fotografia da cena parlamentar, fazendo e acontecendo já na eleição municipal de 2012.
Pode ser que o PSD consiga resolver nos próximos dois meses – quando se encerra o prazo para a obtenção do registro na Justiça Eleitoral a tempo de disputar prefeituras no ano que vem – os problemas que enfrenta com fraudes e denúncias de uso da máquina pública na coleta das assinaturas de apoio e apresentar as 490 mil necessárias perfeitamente legalizadas.
Ainda assim, não se livrará facilmente da imagem de um partido que surge no cenário político marcado pelos vícios de sempre. Nesse sentido, já nasce velho.
Foi seu próprio criador quem definiu a obra como algo insípido, insosso e inodoro – “nem de direita, nem de esquerda nem de centro”. Traduzindo: não pretende a representação de um pensamento. Busca juntar pessoas daqui e dali, de preferência já detentoras de mandatos eletivos, para funcionar como um facilitador de acomodações regionais.
Isso fica evidente no método de arregimentação de lideranças, a partir das conveniências de caciques locais: senadores, deputados, governadores, que necessitem de um rearranjo no equilíbrio de forças, pouco importando se representem o que há de mais retrógrado na política.
Um exemplo emblemático é o processo de formação do PSD no Maranhão. O acerto com o clã Sarney foi feito nos seguintes termos: a governadora Roseana Sarney oferece alguns tantos deputados federais e estaduais para integrar a legenda e, em troca, Kassab garante que o partido não abra espaço para adversários da família no Estado.
Recapitulando as práticas: fraudes na coleta em assinaturas detectadas em cinco Estados (São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraná e Amazonas), suspeita de uso da máquina pública, ausência de identidade programática, arregimentação cartorial de lideranças, acolhimento de adesões sem olhar de quem.
Não bastasse, o PSD institucionaliza o troca-troca partidário, ao arrepio da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a fidelidade devida ao partido por parte do eleito.
Em seu estatuto, o partido oferece a garantia de que nunca exigirá na Justiça a devolução do mandato de parlamentares que porventura venham a sair do PSD.
Uma mão na roda. E a lei? Ora, a lei…
No paralelo. É de se perguntar com que autoridade o ex-presidente Luiz Inácio da Silva diz que os demitidos do Ministério dos Transportes poderão voltar a seus cargos se “provarem” ser inocentes.
Lula faz média com os partidos atingidos (PR e PT), sem atinar para a inconsequência da declaração. Primeiro, porque não é dele (ou não deveria ser) a prerrogativa de decidir sobre nomeações e demissões. Segundo, não havendo inquérito policial – e por enquanto não há – não existe como comprovar culpas ou inocências.
A sem-cerimônia de Lula com os ritos do poder formal já se evidenciou algumas vezes desde que deixou a Presidência. Seja atuando como interlocutor da base aliada na crise Palocci, ou visitando obras que não teve tempo para inaugurar quando presidente.
Lula se declara um “ajudante” de Dilma e, assim, tenta não imprimir a suas ações um caráter de usurpação e obter junto à opinião pública salvo-conduto para circular como a sombra oficial da presidente.
Não só não pretende “desencarnar”, como vai ocupando o espaço privilegiado de um “shadow president”.
À falta de uma oposição com consistência, unidade e senso de direção para cumprir esse papel.
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