“No batente da casa de taipa, Dona Toinha, amanhece o dia olhando para o nascente, a procura de um sinal de inverno, enfeitiçada pelo fumo forte, feito com palha de milho. Não há mais as galinhas que enfeitavam o seu terreiro, não há mais alegrias, o que ela vê é a caatinga seca, que anteriormente era tão verde. Os seus pensamentos se vão com a fumaça do cachimbo. As brasas, quase apagadas, aquecem suas idéias”. Bastou cair uma chuva forte em Salvador no último final de semana, para os canais de TV, os jornais impressos, os blogs e as estações de rádio, imprimirem um ritmo acelerado à divulgação de noticias referente aos possíveis estragos que poderiam ocorrer com alagamentos e deslizamentos de terra. Felizmente passado o período crítico, apenas alguns pontos de alagamentos modificaram a rotina de poucos soteropolitanos, pontos estes por sinal, bastante conhecidos das autoridades. Os problemas apenas se repetem. Paradoxalmente, neste mesmo final de semana, 242 municípios dos 417 do estado da Bahia, estavam e continuam em Situação de Emergência por causa da seca. No entanto, os meios de comunicação não divulgam o sofrimento causado por este desastre com a mesma ênfase e intensidade com que se referem às chuvas. Os efeitos nocivos da estiagem agora vividos são frutos da falta de chuva ainda no ano de 2011. Há séculos, as crises causadas pela estiagem vêm trazendo sofrimento e dor para os sertanejos e, infelizmente, a expectativa é de que teremos de conviver com esta angústia, ainda por muitos anos. O próximo período de chuvas para a maior parte dos municípios afetados inicia-se a partir do mês de outubro, estendendo-se até o mês de março. A falta de oportunidade de trabalho no campo; a escassez de alimentos devido à perda de safra; a falta de água para o consumo humano e para a dessedentação animal, aliadas às doenças de ocasião e o êxodo rural, refletem diretamente na economia destes municípios.
Estudos da Secretaria Estadual de Planejamento apontam que, além da agropecuária, o comercio e os serviços das regiões afetadas pela seca, atingem a circulação de renda. As estimativas são de que o valor econômico gerado por estes setores terão uma queda de 10% a 20% este ano, em relação ao ano passado. A Bahia é o principal produtor de feijão do Nordeste. As dificuldades tornam-se cada vez maiores para as famílias. Isto requer eficiência na aplicação das verbas disponibilizadas, sobretudo pelo Governo Federal. É hora de utilizar os recursos disponíveis com eficácia e racionalidade para ultrapassar a barreira da burocracia e destravar os processos de repasses financeiros, aos municípios. O suprimento de água vai se tornando cada vez mais comprometido, e os prejuízos na agricultura já fizeram os preços dispararem, dificultando sobremaneira a aquisição de alimentos por parte da população residente. Os espinhos dos pés de mandacarus cegam as rezes que tentam deles se alimentarem, são cenas indescritíveis. Sem ter comida no pasto, muitos fazendeiros abandonam seus rebanhos, deixando-os à própria sorte, culminando quase sempre com a morte. O plantel reduz drasticamente, dia após dia.
É no município onde as demandas estão concentradas, e a casa do prefeito é a primeira porta que recebe o pedido de socorro. Sendo assim, não nos parece sensato a centralização de ações emergenciais no âmbito do Governo do Estado, até porque, é humanamente impossível implementar uma política eficiente de Socorro e Assistência para mais de dois milhões e quinhentas mil pessoas, em uma área territorial superior a 300.000 km², nestas condições. As necessidades de intervenção diferem muito de um município para outro. Em alguns casos, por exemplo, a prioridade não é cesta básica ou carro pipa, contudo quem possui conhecimento da realidade local e pode apontar necessidades mais urgentes, são as autoridades locais. A aquisição de remédio, de reservatório de água, de ração para animais, de tubulação, de bombas e de filtros de água em muitos municípios, se sobrepõe ao que está sendo disponibilizado. Em muitas localidades, fatalmente haverá também superposição com ações do Governo Federal. Distribuição de água através de carro pipa é um exemplo. O Cartão de Pagamento da Defesa Civil – CPDC é a melhor alternativa para a efetivação de repasses e controles. Através dele, o gestor municipal pode efetuar pagamento direto aos fornecedores, enquanto que o extrato pode ser acompanhado em tempo real pelos órgãos de controle – TCU, AGU e o próprio Ministério responsável pelas transferências. É uma evolução, mas precisa ser aplicado. A primeira seca amplamente discutida e documentada foi a de 1877, quando cerca de 500 mil pessoas morreram de sede e fome em todo nordeste. Na ocasião, o então imperador Dom Pedro se deslocou até s região e prometeu soluções para o problema, venderia inclusive a última jóia da coroa para isso, mas acabou não cumprindo a promessa. A caatinga nordestina é a responsável pelo grande número de migrantes que vão atrás de emprego ou mesmo subemprego nas grandes capitais brasileiras ou em polos econômicos expressivos. A persistir a situação atual e, caso as políticas governamentais não forem suficientes para viabilizar a permanência da população rural nestes municípios, é muito provável que haja movimentação da população em direção aos grandes centros, carregando consigo toda a consequência que este tipo de migração provoca nas grandes cidades. (Fonte: Antonio Rodrigues Moita. Ex. Coordenador da Defesa Civil da Bahia)
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