Coluna A Tarde: A indústria da seca

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Por: Samuel Celestino

A indústria de seca sempre esteve presente no Nordeste, especialmente na Bahia. Envolvia recursos desviados do Banco do Nordeste, Sudene e do governo federal. Os políticos transformavam o abastecimento de água, através de caminhões-pipas, em votos. Os cordéis nordestinos os criticavam na medida em que somente apareciam em época de campanha para pedir votos ou quando a seca maltratava o sertão. A expressão “indústria da seca” nos últimos anos caiu em desuso. Até porque muitos estados adotaram políticas contra a seca construindo açudes em épocas de normalidade. O Ceará é uma dessas unidades. Espalhou pelo seu semiárido inúmeras barragens tomando precaução contra as estiagens demoradas.

A situação que a Bahia no momento experimenta é aterrorizante, na medida em que não há previsão de chuvas e é possível que não aconteça ainda este ano. O semiárido baiano constitui 60% do território, mas tem como característica a diversidade. A pior área é do centro do Estado para o norte. Até aqui, segundo a Federação da Agricultura da Bahia, os criadores já perderam um milhão de cabeças de gado e grande parte dos municípios é abastecida por caminhões-pipas. Outra característica da região é que as habitações são esparsas, distanciando-se, às vezes, dos municípios onde fica a maior concentração dos sertanejos. As cisternas, construídas nos casebres esparsos, não funcionam em época de seca porque não é, naturalmente, possível captar água através das bicas, na medida em que não chove.

O governo federal, à revelia de vozes sensatas, iniciou a transposição das águas do São Francisco, começando pelo vetor Norte na direção do Nordeste. Enterrou dinheiro, grande parte desviado, e a consequência é que o que foi construído até aqui está em processo de deteriorização. Esqueceu-se do vetor sul, que beneficiaria a Bahia e poderia perenizar os rios secos e seus afluentes, de igual modo sem água. O Estado da Bahia ficou silencioso. Não reivindicou nenhuma contrapartida, mesmo que o São Francisco, que nasce em Minas e foi denominado “Rio da unidade nacional”, corta o território baiano para desaguar no Atlântico, entre Sergipe e Alagoas. A omissão da Bahia foi total, repito, e lastimável.

Para que se tenha uma ideia, nos primeiros anos de século passado, os americanos realizaram a transposição do rio Colorado, que viabilizou a Baixa Califórnia. A Califórnia se transformou num dos maiores celeiros de frutas do mundo. Depois dos Estados Unidos, se país fosse, seria o mais rico do mundo. A transposição beneficiou os estados de Arizona, Novo México, Wyoming, Colorado e Utah. Esses estados negociaram a divisão das águas do Rio Colorado e até hoje, quase um século depois, ainda recebem royalties pelas águas do seu rio. A convite do governo americano estive na região e ouvi conferências sobre a transposição. Aqui fizeram tudo errado. O governo parece despertar agora para o vetor sul, mas não será, pelo que se informa, através de canais que perenizem os rios baianos, aproveitando as águas do São Francisco. Será coisa me nor, muito menor, através de aqueduto.

O presidente da Faeb, João Martins, faz uma advertência. A seca que está aí instalada não recuperará, mesmo se as chuvas chegarem, o semiárido no mínimo em cinco anos, podendo chegar a dez. É a Bahia se empobrecendo, por falta de projetos (afirma Geddel Vieira Lima que quando ministro da Integração encaminhou a todos os Estados nordestinos solicitação de projetos de combate a seca e de todos recebeu respostas. Menos da Bahia). Diz, com a ressalva que está a tratar de uma questão séria, e não pretende misturar o problema da seca com política.

Voltando a João Martins, ele teme que em pouco tempo a alimentação no semiárido se torne também escassa “e de nada adianta bolsa família” porque o sertanejo não tem como plantar e colher. Costuma-se acentuar que depois da seca, a escassez continua porque se segue o que se denomina “seca verde”, ou seja, com as chuvas a terra fica verde, mas não produz por falta de semente. Além do mais, será necessário que se adquira as tais sementes para novos plantios. E como repor os rebanhos perdidos?

Aliás, está marcada para esta segunda feira uma manifestação em Feira de Santana que culminará com a deposição de carcaças de animais mortos em frente à filial do Banco do Nordeste. Feira, que também sofre com a seca, pode ferver.

Seca e governadores

Em comentário recente, cometi uma derrapagem a partir de uma informação incorreta. É certo que não se pode descuidar de procedimentos administrativos para minorar a seca no semiárido baiano. Anotei, no entanto, que os últimos governadores pouco ou nada fizeram. Errei e peço desculpas a César Borges e a Paulo Souto. O ex-ministro Geddel Vieira Lima e o líder oposicionista, deputado Elmar Nascimento, em tempo, corrigiram-me. Em separado, anotaram barragens construídas pelos dois governadores, principalmente Paulo Souto, sem as quais a situação estaria imensamente mais grave no sertão baiano.

Anoto, assim posto, algumas (não são poucas) barragem por eles construídas no semiárido: Pedras Altas, França, Aipim, Pindobaçú, Ponto Novo e Bandeira de Mello. Enquanto isso, Diz Elmar Nascimento: “Infelizmente no atual governo nenhuma foi construída. Seque um pequeno açude.” Geddel complementa: “Paulo Souto deixou iniciadas as barragens de Cristalândia, Serra Preta, Santana e Lagoa da Torta”. Estão feitas, assim, as correções o que faço repetindo as minhas desculpas.

* Coluna de Samuel Celestino publicada no Jornal A Tarde deste domingo (14)

 

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