Com apoio de Lula, há no governo e no PT quem defenda a substituição da austeridade por incentivos ao crescimento, a receita eficaz de uma hecatombe
O brasileiro já aprendeu que não deve cobrar coerência ao cambiante Luiz Inácio Lula da Silva. Não merece, portanto, muito mais que um registro o desdém com que o ex-presidente comentou o rebaixamento da nota de risco do Brasil, pela agência S&P, a mesma que o fez soltar rojões de ufanismo e de autoelogios quando, em 2008, carimbou no país o selo de alta qualidade do “grau de investimento”.
Nestes últimos dias, entre Assunção e Buenos Aires, Lula fez comentários sobre políticas de desenvolvimento, usando a conhecida técnica de apresentar questões complexas por ângulos simplistas e, portanto, equivocados. Ao defender a tese de que gastos sociais precisam anteceder investimentos em infraestrutura, o ex-presidente se colocou contra os cortes no Orçamento para tirar o país da mais grave crise fiscal pelo menos desde a redemocratização.
Esta postura populista clássica não é surpresa, mas ganha importância por ser exposta num momento-chave de Dilma, em que ela, diante do rebaixamento do país na avaliação da agência internacional, precisa optar entre fazer um correto ajuste no Orçamento, pelo lado das despesas, ou enveredar pela aventura da “fuga para frente”. Quer dizer, assumir o discurso de que o verdadeiro problema não é cortar o Orçamento, mas gerar receitas tributárias por meio da retomada do crescimento.
É um jogo de “quase lógica”, em que teses erradas são justificadas por jogo de palavras e contorcionismos de raciocínio. O grave é que, dentro do governo e no PT, há quem defenda esta “fuga”, numa volta de 180 graus na política econômica de Joaquim Levy.
Um desses é o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, apoiado por Aloizio Mercadante, da Casa Civil. A própria Dilma, pela biografia ideológica, deve sentir alguma atração por esta suicida saída pela “esquerda”. Trata-se de jogar às favas a austeridade e ressuscitar medidas do malfadado “novo marco macroeconômico”, de cuja essência floresceu a própria crise fiscal. Ao induzir a volta ao crescimento, as receitas tributárias deixarão de cair e voltarão a crescer, para permitir o atingimento das metas de superávit. Inflação e aumento da dívida interna só entrariam na agenda do Planalto mais à frente.
Como não existe mágica, a “virada à esquerda” é a receita de uma hecatombe. Talvez sequer o governo Dilma resistisse a um Congresso pressionado pela disparada da inflação, fuga de capitais e aprofundamento da recessão. Tudo ao mesmo tempo e de maneira quase instantânea.
Um exercício de simulação esclarecedor é observar o que aconteceu com indicadores básicos do país nestes meses de crise fiscal e incertezas políticas — PIB, dólar etc. — e multiplicá-los por dez. O resultado seria, de forma aproximada, o que aconteceria a partir desta “virada”.
Editorial de OGLOBO DE 12/09/2015
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