Seca que atinge cerca de 200 municípios e dois milhões de pessoas na Bahia, divide prefeituras quanto à realização dos festejos juninos; forró do são João está ameaçado
Elieser Cesar_Bahia247
Seca e forró combinam? Pelo menos nas canções de Luiz Gonzaga, o “Rei do Baião”, como Asa branca e A triste partida, esses dois fenômenos tipicamente nordestinos formam uma dupla harmônica e inseparável. Mas, as afinidades acabam no plano da arte, porque na realidade, dura e crua, a estiagem prolongada castiga o homem, a terra e os animais. Na Bahia, a associação da seca com o típico gênero musical do Nordeste vem causando polêmica, por conta de prefeituras de cidades assoladas pela estiagem – cerca dos 200 dos 417 municípios e algo em torno de dois milhões baianos – que insistem em gastar para promover o tradicional São João, o mais importante festejo dos nordestinos.
De um lado, há gestores, como o secretário estadual de Turismo, Domingos Leonelli, que defende a aplicação dos recursos na festa como um investimento com retorno financeiro garantido, como uma espécie de “carnaval junino”. De outro, há quem recomende a suspensão dos gastos ou pelos menos a moderação no dispêndio financeiro, como o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM). O órgão determinou a todos os seus inspetores regionais “que exerçam uma fiscalização rigorosa para apurar se os municípios atingidos pela seca estão promovendo tais festejos”.
Se confirmado “evidente procedimento irrazoável do gestor”, o TCM recomenda que se lavre um termo de ocorrência e acione o Ministério Público para adotar as medidas cabíveis, multar o prefeito ou obrigá-lo a devolver a verba gasta com os preparativos dos festejos juninos. Em entrevista ao jornal A Tarde, presidente do TCM, conselheiro Paulo Maracajá diz que os municípios em situação de emergência que estão pegando dinheiro dos governos federal e estadual não devem gastar com as festas juninas. “Não podemos permitir que as prefeituras gastem dinheiro para soltar foguetes, enquanto o povo passa miséria”, observou Maracajá.
PMDB proíbe sues prefeitos de fazer a festa
Já a executiva estadual do PMDB se adiantou e, em resolução encaminhada aos prefeitos do partido, recomendou que “os gastos públicos dessas Municipalidades, vitimadas pela seca na Bahia, em eventos e festas populares, devem ser suspensos, diante do cenário caótico e de penúria que se está vivenciando o Estado com a seca”. Assinada pelo presidente do partido na Bahia, Lúcio Vieira Lima, e pelo secretário-geral do PMDB, Almir Melo, a resolução sugere que “a prioridade do emprego de recursos públicos na implementação de medidas emergenciais no combate à seca, com a urgência que a situação impõe, enquanto não for solucionada a falta de abastecimento de água para uso humano e agropecuário no Estado”.
A mesma orientação do TCM e do PMDB foi dada pela União dos Municípios da Bahia (UPB): “Pedimos aos prefeitos que cancelem as festas juninas, ou, em casos de já haver contratos assinados, que reduzem os festejos de três para apenas um dia”, informou o presidente da UPB e prefeito de Camaçari, Luiz Caetano (PT). Prefeitos de municípios como Várzea Nova, Miguel Calmon, Serrolândia, Tucano, Valente, Riachão do Jacuípe e Nova Fátima cancelaram a festa. Só Várzea Nova, a 400 km de Salvador, iria gastar de R$ 250 mil a R$ 300 mil com o São João, enquanto “dois mil trabalhadores rurais da lavoura do sisal, que murchou, não têm como trabalhar”, conforme o prefeito Érico Moreira de Araújo.
Outros prefeitos batem o pé, como se dançassem xaxado, e teimam em organizar os festejos, como Paulo Machado (PT), em Senhor do Bonfim, que realiza um dos mais concorridos festejos juninos da Bahia, a população do município chega a triplicar como o número de visitantes. Machado até que admite cortar o gasto pela metade, fazendo-o cair de R$ 1,4 milhão para R$ 700 mil, mas não arreda o pé em manter a festa. “A seca atinge a zona rural, mas as festas juninas aquecem a economia do município e fazem com que o pessoal da roça vem á cidade para trabalhar”, justifica.
Lamento sertanejo
Em muitas cidades onde os festejos são animados e atraem milhares de visitantes, em busca de atrações, como Flávio José (cachê d R$ 95 mil, em Senhor do Bonfim), Banda Saia Rodada (R$ 95 mil) e Banda Magníficos (R$ 90 mil), cancelar o São João é o mesmo que não realizar o carnaval de Salvador devido, não à seca, mas a um temporal, ou mesmo a uma ameaça de epidemia de dengue.
Por isso o secretário Leonelli se acautela. Segundo ele, os festejos juninos “dinamizam a economia, sobretudo a popular, criando emprego e renda e minimizando os efeitos da seca”. “Cancelar a festa seria um prejuízo muito grande”, aponta. Por enquanto, mais de 100 municípios baianos já apresentaram a documentação em dia para receber recursos (entre R$ 30 mil, R$ 50 mil e R$ 100 mil), da secretaria estadual de Turismo para fazer a maior festa do Nordeste.
Por enquanto, a situação é esta: enquanto algumas cidades esperam a volta da Asa Branca, prenúncio de chuva no sertão, outras querem mesmo é lamentar, ao som do forró, a terra ardendo “qual fogueira de São João”, como diz o hino da seca no Nordeste, Asa Branca.
Fonte: 247
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