
Opinião do Estadão
Quase um terço da população do País é analfabeta funcional, e só 23% têm altas habilidades digitais. Combinados, esses indicadores escancaram a tragédia brasileira
O porcentual de brasileiros de 15 a 64 anos na condição de analfabetos funcionais, termo aplicado a quem mesmo sabendo ler e escrever não consegue interpretar textos ou fazer contas mais complexas, segue em 29%, mesmo patamar de 2018, de acordo com o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), coordenado pela Ação Educativa e pela consultoria Conhecimento Social, em parceria com Fundação Itaú, Fundação Roberto Marinho, Instituto Unibanco, Unesco e Unicef.
Realizado entre dezembro de 2024 e fevereiro de 2025, o levantamento mostra ainda que entre os jovens de 15 a 29 anos o analfabetismo funcional piorou: era 14% em 2018 e subiu para 16% na leitura mais recente.
A pandemia de covid-19 aparece como uma das razões para a piora no indicador de analfabetismo funcional entre os jovens, já que, no necessário período de isolamento social, muitas pessoas deixaram de frequentar as escolas ou tiveram seu processo de aprendizagem comprometido.
É inegável que a pandemia fez com que várias conquistas humanas andassem para trás em escala global, como demonstram indicadores de crescimento econômico e de endividamento das nações. Mas, quando se olha a série histórica do Inaf mais atentamente, chama atenção o fato de o porcentual de analfabetos funcionais no País já vir estagnado desde muitos antes da pandemia.
Em 2001, o porcentual de brasileiros analfabetos funcionais era de 39%. O índice foi recuando lentamente até a marca de 27% em 2009, que se repetiu nos levantamentos de 2011 e 2015. Em 2018, subiu para os 29% que se repetiram na investigação mais recente.
Ou seja, mesmo antes de a pandemia prejudicar a educação mundo afora, o que ainda não foi superado em vários aspectos, a educação do brasileiro já era um problema.
Não é que não tenha havido avanços nos últimos anos, como demonstram a quase universalização do acesso ao ensino fundamental, bem como a expansão dos ensinos médio e superior. A qualidade, contudo, segue sendo um problema. Mais do que estar na escola, é preciso que esse acesso ocorra com qualidade. É inaceitável que praticamente um terço da população brasileira não tenha condições de interpretar um texto ou de efetuar contas mais complexas, inabilidades que comprometem o cotidiano dos analfabetos funcionais, bem como seu potencial de empregabilidade.
“Os indicadores apontam que estamos diante de um momento gravíssimo. É alarmante saber que apenas 10% da população brasileira seja considerada proficiente em leitura, escrita e matemática. Como enfrentar a desigualdade e ampliar a produtividade com uma população nessas condições?”, questiona o presidente da Fundação Itaú, Eduardo Saron.
Pois é esse o desafio que o Brasil tem diante de si, e que deveria mobilizar políticos, independentemente de matizes ideológicos, e gestores públicos, uma vez que a economia global é cada vez mais digital e demanda que os cidadãos não apenas dominem o básico do conhecimento tido como tradicional, como também sejam capazes de navegar pelo mundo digital e interagir com ferramentas de inteligência artificial de modo minimamente satisfatório.
Não bastasse o número de analfabetos funcionais ser alarmante, o lnaf também identificou que apenas um em cada quatro brasileiros entre 15 e 64 anos, ou 23% da população, tem nível considerado elevado de habilidade digital. Foi a primeira vez que o levantamento mediu o nível de alfabetização no contexto digital.
Atividades que parecem triviais para alguns, como fazer uma compra online, inscrever-se para um evento por meio de canais digitais ou procurar um filme em uma plataforma de streaming são desafiadoras para uma infinidade de brasileiros.
Além disso, fraudes como a do INSS expõem como é urgente ampliar o chamado letramento digital da população, já que a comunicação com prestadores de serviços e bancos, por exemplo, se dá cada vez mais por canais virtuais.
Faces da mesma moeda, o analfabetismo funcional e a falta de habilidades digitais dos brasileiros exigem que o País promova, ao mesmo tempo, educação básica de qualidade e aprimoramento daqueles que, mesmo alfabetizados em um mundo analógico, vivem às escuras no presente, que já é digital.
FONTE: JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO
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