Além das dificuldades de acesso à verba partidária, candidatas sofrem para conseguir recursos de pessoas físicas na campanha
Natália Portinari, Daniel Gullino e Victor Farias
27/10/2020 – 04:30
BRASÍLIA — Além de brigarem por uma fatia proporcional dos recursos de seus partidos, candidatas mulheres têm mais dificuldade em obter doações privadas para custear suas campanhas. Em todas as modalidades de arrecadação, elas estão atrás dos homens.
Levantamento do GLOBO com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que, em doações não partidárias — de pessoas físicas, financiamento coletivo, recursos próprios ou outras modalidades —, homens obtiveram em média R$ 1,7 mil, quase o triplo das candidatas, que conseguiram R$ 617. Em 2016, essa diferença também foi observada: homens arrecadaram em média R$ 4,5 mil, e as mulheres, R$ 1,8 mil.
Algumas candidatas apresentam arrecadações irrisórias ou nulas. Das 186 mil, só 55 mil (29%) arrecadaram recursos fora dos partidos. Entre os homens, 35% dos 369 mil candidatos têm doações privadas até agora.
Simone Bojano (Cidadania), vereadora no primeiro mandato e candidata a prefeita em Contenda (PR), município de cerca de 19 mil habitantes próximo a Curitiba, declarou só R$ 100 em doações. Ela mesma depositou o valor para pagar por impulsionamento no Facebook enquanto não recebe o fundo eleitoral.
— Hoje, a população quer candidatas mulheres. Não tem preconceitos Mas para angariar recursos, é mais difícil, porque geralmente os empresários têm resistência em doar para mulheres — diz.
Leticia Medeiros, co-fundadora da ONG #ElasNoPoder, iniciativa que atua para aumentar a participação das mulheres na política, explica que as redes de contato delas costumam ser menos privilegiada que a de homens e com menos cultura de doações.
— Os homens investem em outros homens que estão na política, eles se veem na política, eles reproduzem esse comportamento — afirma. — Um fator determinante é que menos mulheres ocupam hoje cargos públicos, já que os dados mostram também que candidatos à reeleição conseguem captar mais recursos. Aquelas com mais proximidade com o poder recebem mais.
Raquel Chini (PSDB), candidata à prefeitura de Praia Grande (SP), já arrecadou R$ 589 mil. Do total, R$ 50 mil vieram do prefeito, Alberto Mourão (PSDB), seu principal cabo eleitoral. Raquel, que disputa sua primeira eleição, ocupou diversas secretarias no governo de Mourão.
Outra ex-secretária que disputa o cargo de prefeita com apoio do atual mandatário é Francy Condé, candidata em Paracatu (MG). Com um diferencial: ela também é sobrinha do prefeito, Olavo Condé. Ambos são do PSDB. Os R$ 400 mil que recebeu foram doados por seu pai.
Marília Campos (PT), que arrecadou R$ 386 mil, já foi prefeita de Contagem (MG) por dois mandatos mandatos (2005-2012), é deputada estadual, e tenta retomar o posto.
— Eu, especificamente, sou muito bem articulada, em função de uma trajetória de ex-prefeita, deputada, vereadora. As mulheres têm mais dificuldade de promover articulação, principalmente porque somos em número menor na política. As pessoas gostam de apoiar quem tem chance de vitória — diz a petista.
Patrícia Aguiar, que comandou Tauá (CE) durante três mandatos (2001-2008 e 2013-2016), concorre novamente a prefeita. Ela é casada com Domingos Filho, ex-deputado estadual e conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará (TCM-CE), e mãe de Domingos Neto, deputado federal (PSD-CE), que já lhe repassou R$ 30 mil.
— Existe, em alguns casos, essa questão cultural de a mulher não ficar tão à vontade em procurar as fontes para financiamento — diz.
Além de receberem mais doações, homens também são responsáveis por doarem quantias maiores. Entre os 20 maiores doadores, há apenas uma mulher, a escritora Beatriz Bracher. Filha de Fernão Bracher, fundador do banco BBA, ela conta que sempre doou a campanhas e prioriza mulheres e negros.
— Ter a representatividade da nossa diversidade, tanto no Legislativo, quanto no Executivo e no Judiciário, é a coisa mais importante para o Brasil neste momento — disse.
Fonte: O GLOBO
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