Presidente investe em aproximação com parte da sociedade historicamente resistente ao PT
Por Sérgio Roxo, Jeniffer Gularte e Paula Ferreira
10/04/2023 04h30 Atualizado há 23 minutos
Depois de relançar programas sociais voltados aos mais pobres nos primeiros cem dias de governo, marca alcançada hoje, o presidente Luiz Inácio Lula Silva agora prepara uma série de medidas que miram na classe média. As iniciativas vão de regras para baixar as taxas de juros do cartão de crédito a condições especiais para empréstimos bancários. A ofensiva tem dois objetivos: reaquecer a economia, aumentando o poder de compra, e atrair um estrato da sociedade que historicamente registra rejeição alta ao PT. Principal promessa eleitoral para quem ganha mais de dois salários mínimos, contudo, o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda não deve sair do papel tão cedo.
A decisão de Lula em focar suas próximas ações neste grupo é baseada na análise de ao menos sete pesquisas de opinião sobre o desempenho do governo divulgadas desde o início do ano. O Palácio do Planalto avalia que há a necessidade de priorizar medidas que representem algum nível de melhora de vida para a classe média, setor que não foi contemplado pelos programas relançados até aqui, como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e Mais Médicos.
Os petistas reconhecem que esse público tem mais resistência ao presidente. Avaliam, no entanto, ver espaço para atrair a parcela que votou em Lula por ter rejeição maior ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Pesquisa Datafolha divulgada no fim de março dá pistas sobre o quanto o petista precisará percorrer para alcançar a simpatia desse estrato: 36% dos que ganham de dois a cinco salários mínimos reprovam o presidente, índice que é de 47% na população com renda familiar mensal de cinco a dez salários — na média geral, a taxa dos que avaliam a gestão como ruim ou péssima é de 29%.
— A estratégia dos primeiros cem dias foi colocar de pé programas que já existiam e tinham um público-alvo preferencial. A partir de agora, queremos dialogar com um público mais amplo — disse ao GLOBO o ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta.
Facilitar o acesso ao crédito é visto como essencial. Em café da manhã com jornalistas na quinta-feira, o presidente anunciou que cuidará do assunto quando voltar da viagem à China e aos Emirados Árabes, no dia 16. O petista quer que os bancos públicos ofereçam empréstimos a taxas de juros mais baixas — ele citou ainda a criação de linhas de crédito para pequenas e médias empresas.
O GLOBO apurou que no Ministério da Fazenda há também estudos para uma proposta que tenha como objetivo reduzir os juros do rotativo do cartão de crédito, com a intenção de dar um alívio para essa faixa da população que teve sua renda reduzida nos últimos anos. A taxa atual está em 417,35% ao ano, a maior desde 2017.
Os estudos estão sendo realizados pela Secretaria de Reformas Econômicas e, por ora, não há detalhes do que deve ser proposto. Em 2016, o governo Michel Temer (MDB) também anunciou novas regras para tentar controlar os juros do cartão, mas a proposta não foi adiante. A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) é contrária a medidas como estabelecer um teto para essa cobrança, como a proposta pelo deputado petista Lindbergh Farias (RJ), que em fevereiro apresentou um projeto para limitar os juros a 8% ao mês.
Em linha com a nova fase do governo, o Minha Casa Minha Vida, que atualmente prioriza famílias mais pobres (com renda de até R$ 2.640 por mês), passará a incluir faixas mais altas, para quem ganha até R$ 8 mil. O plano é financiar imóveis maiores, com características específicas de acordo com a região do país e opções com varanda, um pedido de Lula ao ministro das Cidades, Jader Filho.
O presidente também mira a classe média ao estimular a criação de um programa para facilitar o acesso da população a energia solar, com linhas de créditos mais baixas. O custo para instalar os equipamentos em uma residência pode variar de R$ 15 mil a R$ 30 mil. No fim de março, o governo zerou até dezembro de 2026 os impostos cobrados sobre painéis solares.
Outra iniciativa pensada pelo governo voltada a esse público prevê a abertura de linhas de financiamento para médios produtores rurais dentro do Plano Safra. O governo estuda atingir donos de propriedades de até 100 hectares. O pedido para que houvesse atenção aos médios produtores rurais foi feito pelo próprio presidente ao ministro de Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, em reunião ministerial na semana passada.
Não é só a economia
Para o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, a tarefa de Lula não será fácil, pois as resistências históricas da classe média ao petismo vão além da economia. A rejeição, segundo ele, é motivada em parte pelos escândalos de corrupção que atingiram o partido nos governos anteriores, mas também em razão da postura da legenda diante dessa parcela da população:
— A classe média tem valores e uma visão de mundo que o PT não conseguiu compreender. O PT gosta, em alguns momentos, de demonizar a classe média, confunde classe média com elite.
Foi o que aconteceu, por exemplo, durante a pré-campanha. Em abril do ano passado, em evento da Fundação Perseu Abramo, Lula afirmou que esse estrato social no Brasil “ostenta um padrão de vida que em nenhum lugar do mundo a classe média ostenta”. Na época, auxiliares do então presidenciável ficaram preocupados com o desgaste que a frase poderia gerar junto ao eleitorado cobiçado pelo petista.
De lá para cá, Lula começou a corrigir a rota e, sentado na cadeira de presidente, fez acenos a essa fatia da população. Em declarações recentes, o petista não só reconheceu a necessidade de o governo se aproximar da classe média como deu recado aos ministros sobre a importância de propor políticas públicas que não sejam mera reprise do que já foi feito em gestões anteriores.
— A partir dos 100 dias, nós vamos ter que começar a fazer coisas novas. Temos que nos dirigir um pouco à classe média brasileira, porque ela tem sofrido muito com os desgovernos deste país — afirmou Lula em 20 de março, no relançamento do Mais Médicos.
Apesar da intenção, uma das principais promessas do presidente voltada para o segmento durante a campanha eleitoral, a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para cinco salários mínimos, ainda está longe de ser cumprida. O governo já anunciou a elevação da faixa de R$ 1.903 para R$ 2.112, o que entrará em vigor no dia 1º de maio. Porém, no momento, ainda não há prazo para chegar ao patamar dos cinco salários.
Internamente, técnicos da Fazenda consideram remotas as chances de o tema entrar em pauta no curto prazo. Um dos obstáculos da equipe econômica é a própria discussão do novo arcabouço fiscal, que será apresentado ao Congresso depois da Páscoa. A nova regra tem em suas bases o aumento da arrecadação federal.
FONTE: O GLOBO
Leave a Reply