Por: Samuel Celestino
O Brasil mudou a sua condição de país complacente com a corrupção? Dificilmente. Quem mudou, na verdade foi um dos poderes, o Judiciário, que iniciou este processo a partir do Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, que começou a tomar medidas que, afinal, chegaram ao Supremo Tribunal Federal. Por uma dessas coincidências que acontecem sem que sejam esperadas. O colegiado do STF é especial, com exceções, é claro, e, dentre elas, cito, de saída, os ministros Dias Toffoli e o revisor Ricardo Lewandowski. O primeiro, um petista, ou suposto petista já que foi advogado do partido e assessor do ex-ministro José Dirceu, quando na Casa Civil. O segundo, um magistrado amável que chegou a absolver Dirceu e Genoíno, decisão que viria a prejudicar a ambos porque o ministro ficou ausente do processo de dosimetria para a fixação da pena de ambos.
De certo modo, se quem mudou foi o Poder Judiciário e não o País, deve-se levar em consideração a certeza petista, aureolada pelo poder, que não acreditavaem condenação. Não foi isso o que se viu. Praticamente todos os principais envolvidos no escândalo receberam condenações, a começar pelo operador do esquema, Marcos Valério, atingindo na segunda feira José Dirceu que, condenado a dez anos e 10 meses, deve (ainda é uma presunção) cumprir sua pena em regime fechado, embora possa vir a ter benefícios penais, como costuma acontecer.
O PT ainda acha que os seus queridos quadros condenados terão poder político, mesmo atrás das grades. Balela. De início, principalmente quando se dirigirem ao presídio, haverá comoção na legenda, mas, com o tempo, as coisas começam a ganhar outro ritmo até se transformarem em lembrança corriqueira. Não imaginem mudanças nas práticas políticas brasileiras porque a corrupção está entranhada nas próprias raízes do Brasil colônia e assim permaneceu no decorrer do tempo com o enriquecimento dos políticos nas suas diversas formas, até quando disputam eleições e recolhem donativos para as campanhas. Ganham quando são vitoriosos e, quando perdem, lucram com sobras de campanha que servem para diversas ações, principalmente para lavagem de dinheiro escuso. Daí o caixa dois alegado pelos advogados dos mensaleiros para fugirem do julgamento, no que não obtiveram êxito.
A condenação de Zé Dirceu e de seus pares petistas não surpreendeu em nada. Era esperada, até com uma pena maior ao levar em consideração a pena de Marcos Valério. Mas, sobre esta questão, cada um pensa como quiser. Até porque é possível que, por ser réu primário, Dirceu possa vir a cumprir, em regime fechado apenas um sexto da pena. Sobre está situação há outra: os condenados ficarão com direitos políticos suspensos e não poderão, por longo tempo, disputar eleição. Quando o fizerem, provavelmente estarão esquecidos, ou quase. Até porque o PT não deve se perpetuar no poder, embora seja tudo o que pretende como acontece com Chávez, na Venezuela.
O Supremo Tribunal Federal fez a sua última sessão, ontem, com Ayres Britto na presidência. No domingo, ao completar 70 anos, estará compulsoriamente aposentado. Britto, jurista do vizinho estado de Sergipe, foi um fator de equilíbrio, ditando pesos e medidas do julgamento. Suave, foi duro quando houve exigências para isso, como, aliás, aconteceu na última segunda feira quando Lewandowki, irritado, abandonou o plenário por não aceitar que o relator Joaquim Barbosa iniciasse a dosimetria do núcleo político, alcançando Dirceu. Depois voltou. Mas a sua cadeira vazia ficou como uma inútil paisagem no salão de sessões do Supremo.
Outro fator marcante deste julgamento foi a consciência jurídica dos ministros que, mesmo nomeados em boa parte por Lula e por Dilma, não se dobraram (com as exceções já citadas, por suposto) à política que os levaram ao STF. Esse aspecto é um novo marco. O Tribunal jamais será o mesmo. Nenhum ministro ficará a dever seu cargo à força política qualquer que seja, porque é constitucional o fato de o presidente nomear os integrantes da corte maior.
A dosimetria das penas chegou ao seu final. Resta, agora, o que os ministros denominam pente fino, para evitar que haja equívoco de sorte a não abrir espaços para recursos. Que acontecerão, porque faz parte, mas não garante que haja recuo de posicionamentos dos ministros, que foram conscientes nas suas decisões e absolutamente isentos. Fica, por fim, um leve sentimento de mudança nas práticas públicas brasileiras. Corruptos sempre existirão, mas, imagino, os malfeitos não serão tão abertos, escancarados, como acontece neste País tropical, um dos líderes do ranking de corrupção no mundo.
*Coluna de Samuel Celestino publicada no jornal A Tarde desta quinta-feira (15)
Leave a Reply