Deputados no Jardim Celeste

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Por: Samuel Celestino

A péssima imagem que a classe política exibe é projetada pelo próprio Poder Legislativo e pelos parlamentares que pouco fazem para o que recebem dos cofres públicos, consequentemente dos contribuintes. Refiro-me ao Poder como um todo, do Congresso Nacional aos legislativos estaduais, mas, nesta abordagem, o foco que ora faço direciono-o à Assembléia Legislativa da Bahia que acaba de cometer mais um desatino: criou mais cinco cargos de “assessores de gabinete” para cada parlamentar, e ainda por cima elevou o teto salarial de tais funcionários de R$8 mil para R$11 mil.

Como sempre acontece, ou quase sempre, a manobra surpreendeu. Não era do conhecimento público que se maquinava entre os componentes da Mesa Diretora da Assembléia uma maneira para obsequiar seus deputados (são 63, ao todo) com vantagens que arrepiam. Os que acompanham os trabalhos (quase virtuais) do Legislativo que pouco produz, embora digam o contrário, ficaram embasbacados, estupefatos, com a manobra acintosa.

A arrepiante medida partiu da própria Mesa Diretora, do presidente Marcelo Nilo, que encaminhou ao plenário a resolução da Mesa e a aprovou, como sempre acontece quando se trata de vantagens para os parlamentares. Os deputados estaduais tinham, até então, a estranha “proteção” de 21 “assessores”. Para quê, somente eles sabem e quem não sabe torce o nariz, posto que a remuneração costuma ter destinação controversa. Nem sempre chegam intactas aos bolsos dos tais “assessores.” Os parlamentares negam, como sempre, o que se cochicha no breu das tocas.

A produção da Assembléia Legislativa é mínima. O Legislativo, na verdade, é uma espécie de jardim celeste onde os parlamentares passeiam quando por lá aparecem. Sempre foi assim, a não ser em tempos imemoriais, uma época em que o Congresso Nacional e as assembléias estaduais eram compostas por parlamentares que se dedicavam, com afinco, às suas funções delegadas pelo povo. Mudou com o tempo. O processo de degradação da atividade política passou a ser uma constante.

Os objetivos transferiram-se para outros escopos, especialmente de ordem pessoal. Reafirmo que não se trata exclusivamente da Bahia, por ser um processo que passou a ocupar as casas legislativas do País e daí projetam péssimos exemplos. Mas não só delas. Também dos dois outros poderes, o Executivo (está aí o caso do ministro Chefe da Casa Civil, Antônio Palocci, dentre tantos outros, a arrepiar) e o Judiciário, lento e quase ineficaz, além de oferecer ao boquiaberto público escândalos de vendas de sentenças.

No caso Palocci, foi necessário que o ex-presidente Lula se deslocasse para o Senado, quebrando a sua rotina de “conferencista”, de modo a fazer o papel de um estranho ministro de Relações Institucionais de Dilma Rousseff. Lula reuniu-se anteontem com senadores para blindar o amigo Palocci, que caiu do seu ministério da Fazenda exatamente por não se pautar como recomendam, ou recomendavam, os princípios básicos da moralidade e da ética.

O Legislativo é o principal espelho do que acontece numa nação. A Assembléia Legislativa da Bahia cumpre o papel que lhe cabe, de forma plena. Além de ter uma composição fraquíssima, é extremamente fisiológica. O Poder, que deveria ter – e tem, de acordo com a Constituição – dentre as suas atribuições o dever de fiscalizar, de ser um contraponto com ressonância pública. No entanto, volta-se para os seus interesses.

Enquanto aqui na Bahia a Assembléia criava cargos de “assessores” do nada, o que vale dizer para não fazerem absolutamente nada no jardim celeste, na Câmara Federal os deputados se atracavam noite adentro para mutilar o projeto do Código Florestal, ao invés de aprimorá-lo. O relatório do deputado Aldo Rebelo, do PcdoB, foi um fiasco para o aplauso do capitalismo ruralista. Os ruralistas, aliás, corrente fortíssima dentro do Poder, e o velho PMDB de sempre, sinônimo inquestionável de fisiologia, além de caçador de cargos públicos, se uniram para derrotar o Palácio do Planalto. As emendas de interesse passaram embora o texto-base fosse aprovado.

Desdenharam das questões ambientais que têm significado de vida; protegeram os que agrediram o meio ambiente, para que eles não venham a pagar pela agressão, e impuseram com o voto (delegado pelo povo) uma derrota ao Código que pretende, ou pretendia, proteger a vida. A eles mais interessa proteger os seus próprios bolsos, onde armazenam o que entendem com vida: dinheiro.

Não há como comparar a absurda mutilação do Código Florestal com o acinte cometido pela Mesa Diretora na Assembléia Legislativa, ao ser criado um trem da alegria para beneficiar os deputados (também seus bolsos?). São dois fatos diferentes, com densidades diferentes. O Código Florestal ainda poderá ser corrigido no Senado, para onde será remetido, ou, em última análise, com vetos apostos pela presidente Dilma, e ela prometeu que o faria.

Aqui, carimbaram a AL-Ba como um colegiado menor, que muito pouco produz em benefício do povo, mas serve – e como! – aos interesses dos deputados, de maneira a acalentar apaniguados ou a eles próprios.

No caso da derrota imposta a Dilma Rousseff, a primeira da sua gestão, pelo PMDB e pelos ruralistas, o significado é bem outro: primeiro, ela não pode tudo nem tem uma bancada confiável; segundo, recebeu uma resposta por se negar (em parte) a fazer o jogo fisiologista do PMDB e, terceiro, num ato reverso, quem tentou, por ironia, segurar a aprovação do Código, sem mutilações, foi a oposição.

Lamentável, muito lamentável.

Publicado no Jornal ATARDE- edição de 26/05/2011

 

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