Duplo ataque

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Por: Roberto Pompeu de Toledo

REVISTA VEJA


O ministro Cezar Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal, e o prefeito de São Paulo, Gílberto Kassab, cada um de seu lado, movidos pelas próprias razões e cada qual com os próprios objetivos, convergem num movimento de pinça que tem como vítima a democracia brasileira. Peluso comanda o processo cujo objetivo é anular a capacidade do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de acionar e punir magistrados denunciados por má conduta. Na semana passada, levou a causa a inéditos níveis de exacerbação ao entrar em polêmica com a corregedora do órgão, ministra Eliana Calmon.

Kassab desfralda a bandeira do primeiro movimento direito-centro-esquerdista de que se tem notícia no planeta. Na semana passada, festejou a aprovação do Partido Social Democrático (PSD), a entidade encarregada de conduzir a causa, pelo Tribunal Superior Eleitoral.

O CNJ, constituído a duras penas em 2005, para cumprir o que as corregedorias dos tribunais não cumprem, ou relutam em cumprir, ou o fazem sob o constrangimento de julgar colegas, enfrenta o problema de abrigar o inimigo em seu bojo. Peluso, que como presideme do Supremo Tribunal Federal é também seu presidente, trabalha em favor da ação de inconstitucionalidade proposta pela Associação dos Magistrados do Brasil, que, se aprovada no Supremo Tribunal Federal, cortará as asas do Conselho. Já tinha até programado para a última quarta-feira a votação no Supremo, e contava como certa a vitória. A maioria dos ministros também não gosta de xeretice de um órgão externo a perturbar a santa paz da magistratura.

Eis que se interpõe no caminho a corregedora Eliana Calmon. Numa entrevista, ela fala de juízes e desembargadores corruptos e, a respeito da ameaça que paira sobre o CNJ, sentencia: “Acho que é o primeiro caminho para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos escondidos atrás da toga”. Horror! Juízes corruptos? Bandidos atrás da toga?

Peluso jamais ouvira falar nisso. “Em quarenta anos de magistratura, nunca li uma coisa tão grave”, esbravejou, perante os colegas de Conselho. O caso do famoso juiz Nicolau, ou ele não leu a respeito, ou não achou tão grave. A indignação de Peluso isolou Eliana Calmon no CNJ. Uma nota do órgão, redigida de próprio punho por seu presidente, repudiou “acusações levianas” que “lançam sem provas dúvidas sobre a honra de milhares de juízes”.

No mesmo dia em que Peluso enfrentava a corregedora, Kassab festejava a aprovação do partido que, em memorável definição, afirmou não ser “nem de direita, nem de esquerda, nem de centro”. A agremiação seria como alguém que não vai nem volta. Não avança, não recua, nem se esgueira para os lados.

Em tal situação, só resta a alternativa de levitar. Talvez seja o caso do PSD. Ele se manteria em levitação sobre a política brasileira, na permanente prospecção do recanto mais conveniente para pousar de paraquedas, uma vez aqui, outra ali, outra acolá. Mas também pode se considerar que, ao não se posicionar nem à esquerda, nem à direita, nem ao centro, o PSD se posicione simultaneamente em todos esses sentidos. Seria e então como o prodigioso espécime que caminhasse para a frente, para trás e para os lados a um só tempo.

Se Peluso trabalha contra a democracia ao defender um Poder Judiciário ensimesmado, Kassab o faz ao criar o partido que não partidariza. O PSD não é partidário de nada. Nem contra nada. É o partido apartidário. Ora, direis, não são assim quase todos os outros 22 partidos (22, sim senhor!) com representação no Congresso Nacional? Não de forma tão explícita. Mesmo os mais insignificantes, e mesmo os que nascem com óbvias intenções delinquentes, alegam alguma bandeira, para disfarçar. O PSD não julgou necessário fazê-lo. Acresce que não é insignificante. Com seus cinquenta deputados, nasce como a quarta bancada na Câmara.

Kassab e Peluso experimentavam diferentes sortes, no fim da semana. Kassab só tinha razões para festejar. Aberto lhe estava o caminho para comandar a levitação, temperada de direito-centro-esquerdismo, a que se propôs. Peluso murchou. A forte reação a seus propósitos, à qual não faltou uma articulação no Congresso em favor de emenda constitucional tomando claro, se ainda não está, que o CNJ pode investigar e punir magistrados, levou-o a adiar a votação no Supremo. O que parecia vitória certa virara crise. A ministra Eliana Calmon, de isolada e vilipendiada, era promovida a heroína. Peluso, de defensor das sagradas prerrogativas do Judiciário, era rebaixado a simulacro de líder sindical. Aguardam-se os próximos capítulos

Transcrito da revista VEJA-Edição de 05/10/2012.

 

 

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