Por Editorial
26/03/2021 • 00:05
É creditada a um político experiente uma frase que resume bem como funciona a relação do Centrão com governos em crise: “Vai até o enterro e chora, mas não entra junto na cova”. Parece uma descrição adequada à aparente reviravolta em relação ao presidente Jair Bolsonaro patente nas atitudes recentes do bloco. A mudança ficou explícita no discurso feito na última quarta-feira pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Lira alertou que estava “apertando o sinal amarelo” para avisar que, se “erros primários e desnecessários” continuarem a ser cometidos na saúde pública, o Legislativo tem remédios políticos para aplicar, “todos amargos” e “alguns, fatais”. Não precisou pronunciar a palavra “impeachment”, mas ela estava implícita.
A marca catastrófica de 300 mil mortos pela Covid-19 ganhou nova dimensão política nas palavras de Lira. O discurso dele funciona mais como ameaça velada do que como sinal de uma articulação concreta. Lira parece ter apenas brandido o tacape para mostrar a Bolsonaro seu poder, de modo a induzi-lo a manter os novos trajes e a máscara que tenta usar no combate à pandemia. Ou Bolsonaro segue esse figurino, insinua Lira, ou terá de se haver.
Não se pode imaginar mesmo que um drama como o que transcorre no país não tenha fortes desdobramentos políticos. O essencial é que transcorram dentro dos limites institucionais. Nisso, o discurso de Lira é um bom exemplo. Ele age como é necessário na democracia, diante de um Executivo inerte e cúmplice da catástrofe. Há ainda, no Senado, uma “CPI da Covid” pronta para ser instalada ao menor vacilo.
A dúvida é como Bolsonaro reagirá a tudo isso. Chamou ontem Lira para conversar e fez questão de dizer que não havia problema entre os dois. O baque recente que sofreu na popularidade mostra que é de seu próprio interesse manter a serenidade, investir num programa eficaz de vacinação, deixar de fazer propaganda de remédios inócuos, de promover aglomerações, de desprezar as máscaras, de se esquivar da responsabilidade pela crise sanitária e de fazer pouco das vítimas da doença. Todo apoio que tem em redes sociais e grupos radicais de nada lhe valeu para evitar a reação previsível do Congresso.
Na tentativa de mudar de rumo, Bolsonaro reuniu-se quarta-feira com chefes de Poderes, ministros e governadores aliados. Saiu do encontro a formação de um comitê de enfrentamento da crise, liderado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Melhor que exista, mesmo que haja naturais reservas à eficácia de um grupo formado com viés político, e sem a presença de nenhum cientista, no momento mais grave de descontrole da pandemia. De todo modo, é um avanço.
Todo esforço para aumentar o fluxo de vacinas e insumos ao país é bem-vindo. Se a queda de popularidade não serviu de alerta ao presidente, agora o “sinal amarelo” está aceso. Bolsonaro, diz Lira, precisa ser capaz de ouvir, ser flexível e ceder. A margem de manobra se estreitou. Ele terá de fazer escolhas sob a vigilância redobrada do Centrão.
Fonte: O GLOBO
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