É a maior mudança no sistema de tributos do país em 58 anos. Destaques serão votados nesta sexta
Por Manoel Ventura, Geralda Doca, Victoria Abel e Gabriel Sabóia — Brasília
07/07/2023 01h39 Atualizado há uma hora
Em uma decisão histórica, a Câmara dos Deputados aprovou o texto-base da Reforma Tributária em segundo turno, a primeira grande modificação no sistema de impostos do país em 58 anos. O texto foi aprovado por 375 votos a favor e 113 contra nessa segunda rodada de votações.
Com a queda do quórum na madrugada desta sexta-feira, porém, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), encerrou a sessão sem a votação de quatro destaques (propostas para alterar o texto). Uma nova sessão já foi convocada para as 10h.
— Amanhã (sexta-feira) o painel abre às 7h e a sessão se inicia para a votação dos últimos destaques às 10h para terminarmos os destaques remanescentes. O sistema híbrido estará liberado. Estamos com dificuldade de quórum, 450 (deputados) até agora — explicou Lira pouco antes das 2h.
Os quatro destaques são do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro. Eles tratam da base de cálculo do imposto, regime específico de cobrança para planos de saúde e benefícios fiscais do ICMS. A expectativa é que todos sejam rejeitados.
O projeto substitui três tributos federais, o ICMS e o ISS por apenas dois impostos sobre bens e serviços. No primeiro turno, o placar foi de 382 votos a favor, 118 contrários e 3 abstenções e superou com folga o mínimo necessário para aprovação de uma emenda constitucional, que era de 308 votos.
Para chegar a esse resultado, o relator da proposta, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), fez uma nova versão do texto, atendendo boa parte dos pedidos de governadores e parlamentares.
Antes de dar início à votação, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que o país estava diante de um momento histórico e da mais importante mudança constitucional no país desde a redemocratização:
— Vivemos um momento histórico para as nossas vidas parlamentares e para o país. O Brasil espera uma reforma justa, neutra e que dê segurança jurídica. Não podemos nos furtar a esta responsabilidade.
O relator fez um discurso emocionado após a votação no qual destacou que a reforma é um projeto do Estado brasileiro.
— É um momento histórico, estou vivendo um momento único na minha vida. Este não é um país que olha para a direita nem para a esquerda, é um país que olha para a frente.
Sul e Sudeste ganham peso
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comemorou o resultado nas redes sociais.
“Depois de décadas, aprovamos uma Reforma Tributária. Democraticamente. Parecia impossível. Valeu lutar”, escreveu, destacando que a reforma não é uma proposta de governo, mas uma necessidade para fazer com que a economia e a produtividade avancem no país.
As rodadas de conversas do relator com os estados foram cruciais para viabilizar a aprovação. O texto conseguiu apoio de governadores do Sul e do Sudeste, inclusive de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Ainda assim, não houve unanimidade entre governos locais.
Freitas, que havia despontado como um dos maiores críticos ao texto, antes de endossar o projeto na véspera da votação, informou por meio de assessores que, embora não considere o texto ideal, ele é visto como o possível e fruto de negociações até a última hora.
A bancada de São Paulo votou majoritariamente a favor da proposta. O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), disse que as mudanças foram acordadas.
Ao longo do dia, o apoio de Tarcísio ao projeto foi alvo de críticas de Bolsonaro, que se disse “chateado” com o governador de São Paulo e de aliados. Ainda assim, o partido do ex-presidente somou 20 votos a favor da proposta.
Um dos pontos de maior divergência dos governadores em relação ao texto original era o modelo de criação do conselho federativo, que será responsável pela gestão e partilha de recursos do novo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que vai reunir o ISS (municipal) e o ICMS (estadual).
Os governadores temiam perda de autonomia e um desequilíbrio de forças entre os estados. Com o novo formato, o conselho terá representação paritária. Os estados terão 27 representantes, um para cada estado e o DF.
Os municípios poderão indicar 27 membros, dos quais 14 com base nos votos de cada município, com valor igual para todos, e 13 representantes com base nos votos de cada cidade considerando as respectivas populações.
O processo de tomada de decisões será feito com base na maioria absoluta, ou seja, será preciso ter um mínimo de 14 votos entre os estados. Além disso, o grupo de estados vencedor precisará representar 60% da população brasileira. Se o grupo perdedor representar a maioria da população, poderá vetar a decisão. Na prática, essa medida amplia o peso do Sudeste e do Sul do país no conselho.
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), disse que vai entrar com um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a reforma. Para ele, a nova regra do conselho federativo privilegia São Paulo, Rio e Minas. Aliado de Bolsonaro, o governador de Santa Catarina, Jorginho Mello, também divulgou texto contra a proposta.
Debate no Senado
Outra demanda dos estados, porém, não foi contemplada no texto final aprovado: o da definição de critério de repartição do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR). O Comitê Nacional de Secretários Estaduais de Fazenda (Comsefaz) defendia que estados mais pobres tivessem prioridade para receber recursos do fundo, que se destinam a investimentos.
O governador do Piauí, Rafael Fonteneles, disse que os governadores do Norte e Nordeste tentarão incluir no Senado os critérios de divisão dos recursos. O governo deve destinar um montante máximo ao ano de R$ 40 bilhões.
— Queremos os critérios na PEC, mas não vamos impedir a votação aqui. Vamos tentar no Senado — afirmou Fonteneles.
Estudo divulgado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) afirma que a reforma vai impulsionar o crescimento da economia e a geração de empregos.
Para Armando Monteiro, conselheiro da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a aprovação do texto é um gesto positivo para investidores.
— A sinalização dessa aprovação, para o país, é que o Congresso está comprometido com a agenda de reformas, uma agenda que precisa avançar para melhorar o ambiente de negócios no país.
(Colaboraram Vinícius Neder e Juliana Causin)
FONTE: O GLOBO
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