Ensino falido, prefeito rico

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Não é apenas o péssimo desempenho de alguns municípios brasileiros na mais recente avaliação sobre a qualidade do ensino médio que envergonha os brasileiros. Um cruzamento feito pelo Correio comparando os dados do Ministério da Educação (MEC) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que, em boa parte deles, enquanto o ensino público despencou, o patrimônio dos prefeitos – boa parte deles de olho na reeleição – ascendeu. E não são números isolados: das 30 cidades onde o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) registrou as maiores quedas, comparando-se os resultados de 2011 com os de 2009, em 20 delas os atuais prefeitos ou vice-prefeitos são candidatos nas eleições de outubro.

Em 14 desses municípios, os políticos aumentaram os respectivos patrimônios. “O Congresso Nacional precisa aprovar uma lei de responsabilidade educacional para evitar a má aplicação dos recursos e punir os gestores que não cumprirem as metas”, defendeu o professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB) Célio da Cunha.

As histórias absurdas se multiplicam, como os recursos nas contas bancárias dos administradores públicos. Com 14 mil habitantes e distante 446km de Salvador, Glória (BA) foi reprovada na avaliação de qualidade do ensino medido pelo MEC. O município, que se orgulha das festas populares locais, faz parte da lista de mais de 900 cidades brasileiras que viram piorar o desempenho dos alunos da rede municipal no ensino fundamental. Mas, na contramão da qualidade educacional, os moradores também viram o fenômeno da multiplicação do patrimônio da prefeita, Ena Vilma Pereira Negromonte (PP), mulher do ex-ministro das Cidades Mário Negromonte (PP-BA), que reassumiu o mandato na Câmara.

Em 2008, Ena Vilma declarou ter dois lotes, no total de R$ 8 mil. Este ano, informou patrimônio de R$ 281 mil, 35 vezes maior do que o registrado há quatro anos. O secretário de governo da prefeitura, Nivaldo Lopes, afirmou que “o patrimônio da prefeita Ena Vilma é perfeitamente compatível com sua renda e está devidamente declarado no Imposto de Renda”. Já em relação à redução da nota do Ideb, ele diz que a prefeitura atingiu índices acima da média brasileira. A alegação é que as três maiores escolas da cidade não foram incluídas no Ideb, o que teria prejudicado a avaliação do município.

Agricultor
O fenômeno não está restrito à senhora Negromonte. Em Nova Castilho (SP), segunda cidade com maior queda no Ideb entre 2009 e 2011, o atual vice-prefeito, João Tamborlim Neto (PSDB), que tenta agora se eleger prefeito, também ficou mais rico. Ele passou de um patrimônio declarado de R$ 73 mil em 2008 para R$ 960 mil neste ano: aumento de 1.215%. A profissão dele, nesse período, continuou a mesma: agricultor. O que mudou, além da nova lista de bens com mais três carros e propriedades de terra, é o grau de instrução escolar de Tamborlim. Na eleição passada, declarou estar cursando nível superior, mas deve ter desistido, pois aparece este ano apenas com o ensino médio completo.

Tamborlim estranhou os dados do TSE. “Tem alguma coisa errada nessa declaração. O que eu tinha em 2008 eu tenho agora em 2012. Não comprei nem vendi nada. Creio que o meu pessoal declarou errado”, justifica Tamborlim. Sobre o Ideb, aí sim, ele não se isenta de responsabilidade. “O vice-prefeito tem limites. Não quis ficar me inteirando muito nisso (educação). Mas as coisas vão melhorar”, promete o candidato único.

Em Neves Paulista, também em São Paulo, o Ideb registrou a terceira maior queda entre as duas últimas avaliações. Nesse período, enquanto o prefeito, IlsoParochi (PSDB), viu os alunos da rede pública municipal terem desempenho ruim na avaliação do MEC, ele próprio ascendeu economicamente e hoje busca a reeleição. O patrimônio do político pulou de R$ 4,5 mil para R$ 70,1 mil em quatro anos. Possuía uma moto e, agora, diz ser dono de um veículo no valor de R$ 45 mil, uma caderneta de poupança de R$ 10 mil e um investimento de previdência privada de R$ 15 mil. “Eu era padre e não tinha nada. Agora, guardo dinheiro”, justificou IlsoParochi.

Já o atual prefeito de Salto Grande, Geraldinho (PMDB), que tenta a reeleição, multiplicou o patrimônio por cinco entre 2008 e 2012: de R$ 35 mil para R$ 185 mil. Enquanto isso, os alunos da rede municipal tiveram em 2011 desempenho pior do que o registrado em 2009. “Fiz uma reunião com o pessoal da educação e percebemos que a nota do último Ideb (2009) foi fora da realidade. Agora, voltou ao normal”, explica.

“Eu era padre e não tinha nada. Agora, guardo dinheiro”

IlsoParochi (PSDB), prefeito de Neves Paulista (SP) e candidato à reeleição

Correio Braziliense – 27/08/2012

 

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