Inflação dos alimentos é desafio para combate à fome no novo governo

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Para conter alta de custos, que afeta população mais vulnerável, especialistas recomendam uso de políticas públicas, como recomposição de estoques reguladores

Por Carolina Nalin — Rio

28/11/2022 04h30  Atualizado 28/11/2022

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva elegeu como prioridade em sua campanha reduzir a fome no país. Mas, para além do desafio urgente de recompor o Orçamento a fim de garantir um Bolsa Família de R$ 600, o novo governo terá de lidar com uma alta inédita nos preços de alimentos.

Desde 2018, o custo da comida vem subindo bem acima da inflação, refletindo uma alta nos preços internacionais, mas também mudanças em políticas públicas, como a redução dos estoques reguladores. E não há sinais de trégua no horizonte. A combinação de efeitos climáticos adversos, guerra na Ucrânia e dólar valorizado deve manter os alimentos sob pressão em 2023.

— A pandemia perturbou os preços relativos dos alimentos. Além disso, tivemos uma série de problemas climáticos, que afetaram a produção, e conflitos geopolíticos. Outra questão é a taxa de câmbio, que está muito desvalorizada no Brasil, o que afeta preço de trigo, milho e preço de insumos — explica o economista Heron do Carmo, professor sênior da FEA/USP.

Entre 2018 e 2021, os preços de alimentos subiram em média 44%, quase o dobro da inflação, de 24%. O custo da cesta básica, por sua vez, saltou de R$ 443,81 em janeiro de 2018, no Rio, para R$ 736,28 em outubro de 2022, aumento de 66%. Na capital paulista, a alta foi de 73%: de R$ 439,20 para R$ 762,2, segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Já a renda do trabalhador encolheu 7,61% no período — ainda que, após um movimento de recuperação, a queda acumulada de 2018 até o terceiro trimestre deste ano seja de 1,76%, para R$ 2.737, segundo o IBGE.

Essa tendência deve se repetir este ano. Nas contas de Luiz Roberto Cunha, economista e professor da PUC-Rio, a alimentação no domicílio deverá encerrar 2022 com alta em torno de 13% e 14%, mais que o dobro do esperado para a inflação geral, que deve ficar perto de 6%:

— O patamar de preços está elevado. E, mesmo que agora tenhamos uma variação mais baixa, os preços estão altos para a renda média do brasileiro, que não cresceu nesse período. É grave.

Segundo o último levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Penssan), mais de metade da população brasileira (58,7%) está sob algum grau de insegurança alimentar. E 33 milhões sofrem com insegurança alimentar severa — ou seja, fome.

Retomada dos estoques

Especialistas lembram que, no ano que vem, continuarão a pesar sobre os preços de alimentos a guerra na Ucrânia e o fenômeno climático La Niña.

Por isso, alertam, os caminhos para aliviar a alta dos alimentos passam por políticas públicas específicas para o setor. Carmo, da FEA/USP, defende, entre outras medidas, a diversificação das regiões produtoras de alimentos no país e a retomada dos estoques públicos, a partir da Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM).

Carmo lembra que a área cultivada de feijão tem perdido espaço para os grãos. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), 2022 deve fechar com a menor área plantada de feijão desde 1976, e a área da primeira safra de 2023 aponta nova redução de 1,9%. Isso afetará a oferta de um dos itens mais consumidos pelo brasileiro.

Os estoques reguladores de alimentos, que ajudam a ampliar a oferta e conter a volatilidade nos preços, vêm caindo desde 2015. De acordo com dados da Conab, desde 2016 não há estoque de feijão. Em outubro deste ano, estavam zerados os estoques de açúcar, café, farinha de mandioca e trigo. No caso do arroz, há apenas 1,7 mil tonelada.

— Quando possível, tem que ser feito estoque regulador — afirma Carmo.

Paulo Nierdele, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em sistemas alimentares e desenvolvimento rural, considera necessária a recomposição do orçamento do Alimenta Brasil (antigo Programa de Aquisição de Alimentos, o PAA). A verba chegou a R$ 1 bilhão em 2012, mas, para o ano que vem, só estão reservados R$ 2,6 milhões. Além disso, ele defende a revisão da desoneração sobre a exportação da soja, que reduz a arrecadação dos estados e diminui a margem para desonerar outros setores.

Orgânicos e atenção fiscal

Nierdele cita ainda como importante para ampliar a produção de itens básicos o redirecionamento da oferta de crédito subsidiado de commodities para alimentos orgânicos, por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf):

— A maior parte dos recursos do Pronaf está concentrada na produção de soja, milho e trigo na Região Sul. Do ponto de vista fiscal, há meios de garantir, por exemplo, que haja crédito a juro zero para a produção orgânica no âmbito do Pronaf, desde que se pare de dar benefícios tão amplos para outros tipos de produto.

Os pequenos e médios produtores agrícolas são responsáveis por 70% dos alimentos na mesa dos brasileiros, segundo o IBGE.

Já Felippe Serigati, professor e coordenador do mestrado profissional em Agronegócios da FGV, afirma que a melhor alternativa para aliviar o peso dos alimentos para as famílias mais pobres é a distribuição de renda:

— Uma redução da carga tributária pode até reduzir preços de alimentos, mas não resolveria muita coisa, porque reduz sem distinção. Tem de haver sustentação de renda para os mais vulneráveis

Serigati, porém, alerta que é preciso ser responsável com o gasto social, pois um descontrole fiscal vai pressionar o câmbio, com efeito direto nos preços de alimentos:

— Você joga dinheiro de um lado, só que os preços sobem do outro, e o poder de compra fica inalterado.

Luiza Benamor, analista da Tendências Consultoria, diz que o descontrole fiscal pode levar a inflação dos alimentos a superar as projeções em 2023, atualmente em 5%.

FONTE: O GLOBO

 

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