Por: Samuel Celestino Jornalista scelestino@grupoatarde.com.br
Ao arrepio do Congresso Nacional e rompendo a má vontade dos políticos, há de se reconhecer que a legislação eleitoral melhora aos soluços e o motor desta mudança é o Judiciário, que impõe avanços ao Legislativo. Embora ainda pequenos, significam uma abertura para novos tempos. É o caso da Lei dos Ficha Limpa. Neste caso, sustentando as decisões corretas do Judiciário, está a opinião pública, que entendeu a importância da força da pressão popular. O Superior Tribunal Eleitoral interpretou corretamente a lei e impôs o que os senadores, especialmente o autor da mudança, Francisco Dornelles (PP-RJ), não desejavam.
Bastou, simplesmente aos ministros do TSE interpretar corretamente a vontade dos 1,6 milhão de signatários do projeto popular dos Ficha Limpa e corrigir o português modificado, num ato incompreensível para a biografia do senado Francisco Dornelles.
Ele mudou a redação com uma sutileza que poderia passar despercebida. Mas não passou, e ele ficou mal na história.
Agora, a lei é válida e aplicável aos que foram condenados antes dela e que já não podem ser candidatos.
Assim,deveria ser desde a tramitação, até surgir em cena o senador. Estava escrito no projeto que seriam atingidos “todos os que foram condenados”.
Ele emendou para “os que tenham sido condenados”, o que levaria a aplicação da lei para após a sua promulgação.
Um jogo com a língua para favorecer os parlamentares sujos, anistiando todos os que foram condenados no passado para só valer a aplicação da lei em termos de futuro.
Se o TSE não interpretasse corretamente, se não se ativesse à mudança introduzida com evidente propósito de favorecimentos, poucos candidatos fichas sujas seriam impedidos de concorrer agora em outubro. Agora, não. A lei amplia e vai buscar no passado, debaixo da cama, aqueles condenados por delitos que costumam se refugiar atrás de um mandato parlamentar, contribuindo para deformações políticas brasileiras que acolhem homens sérios e bandidos, além dos que cometeram ilícitos menores, como se todos fossem iguais. Como consequência, a imagem da classe política é esta que todos conhecem e que a opinião pública não a respeita.
O Legislativo brasileiro não merece respeito aqui e lá fora, no exterior. Daí a corrupção que se espraia para todos os segmentos a partir do exemplo que vem de cima. O Judiciário, atropelando o Congresso, já havia chamado a si resolver a questão dos políticos infiéis que mudavam de partido como macaco o faz pulando de galho e galho. A depender das vantagens oferecidas, o parlamentar desdenhava da legenda pela qual foi eleita e mudava para outra, numa ciranda interminável.
Estabeleceu então que o mandato não pertence ao eleito, e, sim, ao partido.
A mudança demonstrou um evidente avanço.O maior deles aconteceu no escândalo do Distrito Federal, onde o ex-governador corrupto, José Roberto Arruda, perdeu o mandato exatamente por ficar ao léu, ao ser expulso do DEM.Foi preso.Seu vice,Paulo Octávio, renunciou. Deputados distritais também caíram e outros ainda cairão. E nesta semana que está a passar foi descoberto um cofre “plantado” no jardim de uma procuradora do Ministério Público que recebia propina e participava da quadrilha. O cofre estava recheado de dinheiro e enterrado, na suposição de que não seria descoberto. Foram seis votos a um dos ministros do TSE que remeteram para o limbo aqueles que foram condenados por colegiados (mais de um juiz),mesmo que os processos ainda não tenham sido concluídos.
Ainda retornando à mudança no texto, os ministros entenderam que o “verbo ‘forem’ tem sido usado nas questões judiciais como uma possibilidade e não como tempo verbal”. Essa compreensão derrubou o gato escondido por Francisco Dornelles.
O Movimento Combate à Corrupção Eleitoral, que recolheu 1,6 milhão de assinaturas, assim, na condição de vencedor, demonstrou que o Congresso, como determina a Constituição, tem que se dobrar à vontade do povo, porque o poder emana do povo.
É possível que a repetição de julgamentos pelos tribunais superiores, preenchendo as lacunas deixadas pelos “interesses” dos parlamentares possa modificar a condução do Legislativo, que tem sido emasculado por suas próprias decisões.
Assim posto, só o candidato com ficha limpa pode se inscrever para ser candidato ao voto. Os tribunais regionais eleitorais terão trabalho para separar os limpos dos sujos e mandando esses últimos às favas. Mais ainda. Na medida em que aqueles que cometeram delitos e foram condenados insistirem na candidatura, ficarão publicamente desmoralizados pela publicidade em torno da exposição do seu nome. Acredita-se, ou pelo menos há uma torcida, para que os novos legislativos eleitos em outubro possam se conduzir melhor em razão do filtro, oriundo da vontade popular; da luta da opinião pública contra a corrupção, que necessita ser combatida de forma ágil, a partir dos processos investigatórios do MP e dos processos judiciais.
Transcrito do Jornal ATARDE – Edição de 20/06/2010
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