Mãe de menina com síndrome rara fala sobre preconceito e maternidade atípica: ‘Amor na forma mais viva’

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Mãe da pequena Antônia, jornalista Maria Karina e o companheiro descobriram recentemente que criança também é autista. Família é de Euclides da Cunha, no interior da Bahia.

Por Itana Alencar, G1 BA

06/07/2019 08h00 Atualizado há 2 semanas

“Antes da maternidade, eu era a pedra que se sabia pedra. Nos primeiros minutos após o nascimento de Antônia, eu me vi em um terreno arenoso”. A jornalista Maria Karina é mãe há 3 anos. A filha dela nasceu com Langer-Giedion, uma síndrome rara, além da recente descoberta de autismo.

Enquanto concedia entrevista para o G1, Maria Karina dava banho na pequena. O cuidado e carinho do gesto dela se repetem ao falar sobre a filha. Maria Karina conta que a gravidez e o parto foram planejados. Ela e a família são de Euclides da Cunha, cidade do interior da Bahia, que fica a cerca de 315 km de Salvador.

Até o nascimento de Antônia, ela ainda não sabia que a filha tinha a síndrome de Langer-Giedion – uma alteração genética tão incomum que não há estimativa de quantas pessoas no mundo a tem. A síndrome causa deficiências cognitivas e físicas.

Com tudo preparado para que o parto de Antônia fosse feito de forma humanizada, em um centro espírita de Salvador, Maria Karina e o companheiro, pai da criança, chegaram à capital 40 dias antes do previsto para o nascimento. A intenção dela era de que a chegada da filha fosse natural.

“Já estava no limite da espera, com mais de 42 semanas, quando minha bolsa rompeu. Me dirigi ao local, mas não entrei em trabalho de parto. Eles não tinham condições de avaliar o quanto de líquido eu ainda tinha e sugeriram que eu fosse em algum hospital para ser atendida pelo plano de saúde. Chegando ao hospital, se verificou que eu ainda podia ter parto normal, mas que teria que ser induzido. Queria tanto um parto normal que decidi topar”, lembra.

Maria Karina passou por mais de 18h de indução do parto, mas não tinha dilatação suficiente para ter a bebê de forma natural. As enfermeiras identificaram que ela estava no limite da dor e então, a jornalista teria que passar por uma cesariana, para garantir um bom estado de saúde dela e da filha.

“Cheguei urrando no centro cirúrgico. Ela queria nascer e não havia passagem. Antônia nasceu, mas foi logo levada dali para procedimentos e manobras. Ela respirava com dificuldades. Eu olhava para Daniel atordoada, perguntava o que havia e ninguém me esclarecia. Seu rosto estava ficando cinzento. Não só porque não sabia o que estava acontecendo, mas também porque ele não sabia o que fazer. Ele também estava em choque”.

Logo depois do parto, Maria Karina e Antônia foram separadas – uma foi transferida para o quarto e outra para uma incubadora. Com isso, mãe e filha perderam a chamada ‘hora de ouro’, que é o momento mais importante para a vida do recém-nascido.

“Mesmo sem poder confortá-la em meus braços, foi ali mesmo que eu passei a conhecer o amor na sua forma mais viva. Já não importava se ela não seria a filha sonhada, importava que ela sobrevivesse pra gastar os dias comigo. Ela bravamente entendeu que nós todos estávamos dispostos, se fosse o caso, para tê-la ao nosso lado, a passar os anos varrendo a areia da praia”

No segundo dia após o parto, Maria Karina pôde ir à UTI para ver a filha. Uma médica então perguntou se Antônia parecia com alguém da família, por conta das características da síndrome.

“Ela foi sutilmente me dizendo que Antônia não era igual as crianças típicas. Eu fiquei completamente atônita. Na época, eu só conhecia a síndrome de Down. Logo em seguida, ainda na UTI, foi colhido sangue para a realização de exame cariótipo [nome dado ao conjunto de cromossomos de uma dada espécie e apresenta forma, tamanho e número característicos], que, de pronto, foi levado pelo papai para uma clínica de genética”.

“A espera pelo resultado era longa, em torno de 30 dias. Nestes dias sem sol, a impressão era que quanto mais as coisas mudavam, mas continuavam as mesmas”

Descoberta

Passado o tempo de espera, a família foi receber o resultado do exame, que serve para detectar mutações genéticas. O documento deu negativo.

“De pronto, o geneticista nos acalmou. Disse que o cariótipo havia dado negativo e que deveríamos voltar para a nossa cidade e curtir a nossa filha. Voltamos, mas eu não relaxei. Achava-a diferente dos outros bebês. E os olhares, para Antônia na rua, voavam como flechas”. conta.

Em uma consulta de rotina, quando Antônia tinha 4 meses de vida, o médico notou que a medida da cabeça dela, chamada de perímetro cefálico, não crescia de acordo com o gráfico pediátrico. A menina precisou fazer uma ressonância magnética para que os médicos entendessem o motivo.

“O plano não tinha data para realizar o exame, e mesmo [consulta] particular não se achava vaga. O exame só podia ser realizado em um hospital com UTI, já que Antônia tinha que permanecer sem mamar por longo período, para ser anestesiada”, explica Maria Karina.

Mais uma vez o exame mostrou que estava tudo bem com Antônia. O geneticista então pediu um exame mais abrangente, o CGH-Array – que permite estudar o genoma humano todo de uma só vez.

A família precisou voltar a Salvador para fazer o procedimento, que teve que ter coleta refeita 30 dias depois. Maria Karina e o companheiro passaram 40 dias esperando pelo resultado do exame.

“Entrei na sala [médica] exausta, com Daniel e Antônia seguindo atrás de mim. Dentro, o médico explicou a síndrome que afetou um cromossomo dela. Nós dois ouvimos calados, atentos a cada palavra. A lágrima corria nervosa. Aos 7 meses de vida, recebemos o veredicto: Antônia era portadora de uma síndrome rara”

‘Maternidade solitária’

Mesmo dividindo as tarefas com o companheiro e recebendo ajuda de outros familiares, a maternidade é uma condição solitária para Maria Karina.

“Tenho a ajuda incondicional de meu companheiro e minha mãe. Sem eles teria sucumbido. Ele não só me ajuda, ele cuida de verdade da nossa filha. Mas a maternidade sempre é solitária, mesmo acompanhada. Eu vivo no limite”, avalia a jornalista.

A mãe de Antônia conta que a síndrome é um fator que faz com que ela se preocupe ainda mais com a filha. Por conta disso, ela anda em prontidão para qualquer notícia que tenha a ver com a saúde dela.

“Quando me perguntam se isto tudo é cansativo, eu respondo: ‘e muito’. Assim como a Adélia Prado [poetisa], de vez em quando Deus me tira a poesia. Eu olho pedra e vejo pedra mesmo. Mas, se me perguntam se quero outra vida, respondo: ‘não, não'”

om apenas 3 anos de vida, Antônia ainda não tem compreensão das complexidades ao seu redor. Além da síndrome de Langer-Giedion, a família lida também com a descoberta tardia do autismo – transtorno de desenvolvimento que prejudica a capacidade de comunicação e interação com outras pessoas.

“Ela não compreende ainda, infelizmente. Vamos começar uma nova terapia, a Denver. Mudar a vida para que ela possa evoluir. Aí vamos começar uma terapia intensiva para ela, para que ela possa se desenvolver”, pontua.

“Quando solicitada, adoto sempre um tom honesto e sem constrangimentos pra falar sobre um assunto marcado por desinformações, sentimentalismos, preconceitos e lugares-comuns como é o de criar uma filha como uma síndrome rara. Hoje eu percebi que dentro de mim romperam-se valores e outros foram substituídos”

Preconceito

Antônia é uma criança que carrega os traços da síndrome de Langer Giedion no rosto. Ela também não entende os olhares que recebe na rua, mas os julgamentos sempre marcaram os pais dela.

“Sempre há preconceito, mas hoje eu transformei em potência. A partir disto, sinto que as pessoas passaram a nos respeitar e a gostar dela do jeito que ela é. Mas quando saio para lugares que ninguém sabe o que ela tem, eu ignoro. Hoje consigo. Contudo, no começo foi muito doloroso”, conta Maria Karina.

O período inicial após a chegada da bebê foi difícil para a família, por conta da aparência de Antônia.

“Ter uma filha atípica não é fácil. Muitas vezes sofro com uma possível característica da síndrome, mas eu sou muito plena em ser a mãe de Antônia. Eu sou muito grata ao universo por receber tanto amor. Não tem uma pessoa que se aproxime dela que não fique submersa de luz. Para quem, muitas vezes, me pergunta se é possível ser feliz visitando cotidianamente tantos especialistas, vai a reposta aqui: somos uma familinha muito feliz, obrigada”.

 

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