Mudanças climáticas: Previsão de Hemisfério Sul com mais tempestades já afeta o Brasil

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Estudo da Universidade de Chicago conclui que a configuração do relevo, o posicionamento dos Andes e de outras cadeias montanhosas modificam o fluxo de ar no planeta e prejudica a região

Por Rafael Garcia

12/12/2022 04h30  Atualizado há 4 horas

A temporada de chuvas de fim de ano traz de novo a sensação de que, a cada ano, elas estão piores. Quando se olha para eventos específicos, como os temporais das últimas semanas em cidades de Santa Catarina, do Paraná, de São Paulo e do Norte do Rio, é difícil quantificar qual o peso da mudança climática em cada um deles, pois há variações naturais ano a ano. Mas um estudo publicado nesta semana corrobora a sensação de que o Hemisfério Sul está ficando mais tempestuoso e o Brasil já está sente esse efeito no cotidiano.

O trabalho é um estudo da Universidade de Chicago, que, independentemente do aquecimento global, buscou responder por que a região austral do globo é mais propensa a temporais. Ao compilar dados de indicadores climáticos e rodar simulações de computador, os cientistas concluíram que é principalmente a configuração do relevo da região que influencia as diferenças, e o posicionamento dos Andes e de outras cadeias montanhosas modifica o fluxo de ar no planeta, o que prejudica o Hemisfério Sul.

Colhendo tempestades

A pior notícia embutida na pesquisa, publicada na semana passada pela PNAS, a revista da Academia Nacional de Ciências dos EUA, vem dos modelos matemáticos que os cientistas criaram para projetar o clima futuro, levando em consideração o conhecimento que produziram.

“Nós projetamos que o Hemisfério Sul vai se tornar ainda mais tempestuoso”, escreveram os cientistas, liderados pela climatóloga Tiffany Shaw. “No Hemisfério Norte, as mudanças na ocorrência de tempestades são abafadas por causa de um ‘cabo de guerra’ entre as mudanças climáticas tropical e polar”.

Os cientistas explicam que as mudanças de radiação solar passando pelo topo da atmosfera que ocorrem pela perda de gelo e neve perto dos polos têm efeitos distintos nos dois hemisférios. No Norte, a interação entre esses fatores inibe a formação de tempestades. No Sul há uma intensificação.

Analisando o território nacional neste fim de ano, é difícil ignorar a chegada de eventos extremos de chuva ao Brasil.

Na cidade de São Paulo, em sete dias choveu metade do volume esperado para o mês. Sinal de que, independentemente da mudança na média, a precipitação está se concentrando em um período menor. Deslizamentos de terra como consequência das chuvas são muitos. No Norte Fluminense, os eventos mataram três pessoas no início do mês. Em Santa Catarina, foram sete mortes. No Paraná, uma encosta de terra que desabou sobre a BR-376 matou dois homens soterrados e bloqueou a estrada por nove dias.

Sistema interligado

Isoladas, essas tragédias não podem ser atribuídas diretamente à mudança do clima. Mas avaliadas em conjunto, e com o volume de chuva nesses lugares sendo computado, os dados alimentam as observações e projeções dos cientistas climáticos.

Como o clima está interligado em todo o globo, fenômenos aparentemente desconexos podem ter grande influência um sobre o outro. No caso do estudo de Shaw, um dos fatores que mais influenciam a frequência de tempestades nos trópicos é o aquecimento das águas do Oceano Austral, a grande massa de água que rodeia a Antártida.

As duas regiões polares do planeta diferem em geografia, sobretudo pela posição de seus mares. Enquanto no Polo Sul há uma massa de terra cercada de água (a Antártida), no Polo Norte á uma massa de água cercada de terra (o Oceano Ártico). E essa distinção influencia muito a dinâmica do clima.

“Nós mostramos que o aumento recente na propensão a tempestades no Hemisfério Sul está conectada ao transporte de energia no Oceano Austral”, escrevem os cientistas. “Essas mudanças observadas são consistentes, de modo qualitativo, com modelos de projeção futura do clima.”

Como o aquecimento do Oceano Austral exerce sua influência em todas as direções, não surpreende que o Brasil, o maior país do Hemisfério Sul em extensão territorial, esteja entre aqueles que devem sentir as mudanças mais intensamente

Ciência local

As pesquisas de escopo mais local publicadas recentemente estão corroborando as análises globais.

Um estudo dos climatólogos da UFRJ Wanderson Silva e Antonio Carlos Oscar Jr., publicado em junho na revista científica Natural Hazards, mostra como os extremos de chuva estão se fazendo sentir no Rio de Janeiro.

“Olhando para tendências, existe um aumento do acúmulo de precipitação extrema em várias estações meteorológica perto do oceano”, escrevem os cientistas no estudo da UFRJ. “O extremo de chuva em períodos de 24 horas exibe um aumento na maior parte do Rio de Janeiro, crescendo de 1 mm a 5 mm por década.”

A observação dos cientistas é preocupante porque a maior parte do território fluminense registra uma intensidade de precipitação diária de cerca de 13 mm.

Um estudo que avaliou a tendência em eventos extremos de chuva no Paraná, também publicado neste ano, é outro que deu sinais preocupantes. O trabalho usou dados de estações meteorológicas dos municípios de Curitiba, Castro e Paranaguá.

“Uma tendência significativa de aumento foi observada, especialmente em Curitiba, uma condição que está associada ao aumento expressivo e significante de indicadores de temperatura do ar no clima”, escreveram pesquisadores liderados pelo cientista Paulo Miguel Terassi, do Instituto Tecnológico Vale, na revista Urban Hazards.

Drama nacional

Há fortes indícios de que os extremos de chuva vão se tornar mais frequentes em outros estados brasileiros. Um estudo da Universidade de Viçosa (MG) comparou dados históricos sobre a frequência de chuvas extremas no país de 1980 a 2015 com previsões feitas para o período de 2020 a 2100.

“A análise de projeções climáticas futuras indica um aumento nos níveis de retorno de precipitação extrema comparados com o mesmo período histórico em pelo menos 90% do território nacional”, escreveram os cientistas, liderados por Bianca Cortez, na revista Hydrological Sciences Journal.

Se a infraestrutura do país para lidar com as chuvas já não conseguiu dar conta de muitos desastres no passado, o futuro não é otimista.

“Ele mostra que projetos de engenharia precisam urgentemente considerar a essência ‘não estacionária’ dos extremos de precipitação, sob o risco de uma infraestrutura cada vez mais insegura”, afirma a pesquisadora.

FONTE: O GLOBO

 

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