‘O calado vence’: como a incapacidade de ficar quieto atrapalha as relações profissionais e familiares; entenda

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Novo livro sugere que ficar em silêncio sempre que possível e dar um chega pra lá nas redes sociais é atalho para vida melhor

Por Mariana Rosário — São Paulo

18/08/2023 04h30  Atualizado há 39 minutos

O lider pacifista Mahatma Gandhi (1869-1948) seguia rigorosamente uma regra às segundas-feiras: mantinha silêncio absoluto o dia inteiro. Abria, somente, duas exceções — por escrito, diga-se — comunicar-se com o alto escalão de líderes locais, quando muito necessário, ou com doentes que precisassem de apoio.

Cerca de um século depois, há quem faça defesa similar de racionar as palavras. Alguns sustentam a ideia de ficar calado como bálsamo e ferramenta para encarar rotina com menos sobressaltos e mais qualidade. Cresce a defesa entre alguns especialistas de falar somente o essencial, refletir antes de responder e, sobretudo, preferir as conversas em que é possível conectar-se verdadeiramente com o outro, sem papo de elevador. A ideia do “calado vence” (frase que tornou-se tônica para fugir de encrencas nas redes sociais) tem sido defendida por especialistas em saúde e bem-estar como o último grito do autocuidado, com aplicação fácil: basta falar menos, ouvir mais e aproveitar os momentos de silêncio.

O manuscrito da nova onda é o livro STFU: The Power of Keeping Your Mouth Shut in an Endlessly Noisy World, do inglês “O Poder de manter a boca calada num mundo infinitamente barulhento”, lançado recentemente nos Estados Unidos e ainda sem versão brasileira. Na publicação, o jornalista Dan Lyons descreve suas desventuras falando demais em toda sorte de ocasiões: em casa, no trabalho e na internet. Também detalha como a incapacidade de ficar quieto atrapalhou suas relações profissionais e familiares. Para sanar os problemas, ele defende ficar quieto sempre que possível e, além disso, dar um chega pra lá nas redes sociais.

Lyons seleciona um coral de especialistas que, em diferentes momentos, defendem o silêncio às palavras (sempre que possível) nas mais diversas esferas da vida. Quer mandar um e-mail? Guy Kawasaki, ex-marketeiro do Macintosh, na Apple, diz que tudo deve ser dito em 5 frases. Menos que isso é grosseria, mais que isso é perder tempo. A ideia é se dar bem com os pretendentes? Sean Rad, um dos fundadores do Tinder (aquele aplicativo de paquera) sugere que o perfil seja curto e amigável. E que não passe do limite de 500 caracteres — quem sabe, metade disso. O célebre ex-negociador do FBI, Chris Voss, é outra figura que defende escolher atentamente o que dizer e racionar sempre as frases em momentos decisivos: em uma aula sobre como brilhar em negociações, o especialista sugere que boa parte da comunicação deve ser trabalhada longe das palavras, está no tom da voz, no movimento corporal.

No âmbito da saúde física, é exagerado dizer que há um avanço mágico em falar menos. Mas há alguns indicativos: se a ideia é melhorar a saúde do coração, algumas análises mais antigas sugerem que a fala pode aumentar índices de pressão arterial mesmo para adultos saudáveis, sem o indicativo de que sofram de doença cardíaca. Não se trata, porém, de encerrar contatos com amigos e afetos para melhorar a vida. Pelo contrário, trocar ideias profundamente sobre assuntos que particularmente nos interessam, com reflexões sobre o que dizer e, sobretudo, lançando mão de perguntas para ouvir quem está no mesmo ambiente é a chave para uma vida um pouco mais feliz.

Uma análise de 2018, realizada com cerca de 500 pessoas pela Universidade no Arizona, nos EUA, mostrou que pessoas engajadadas em conversas substanciais, com assuntos que realmente as interessam os interlocutores (não importa a variedade, pode ser política, relacionamentos ou clima) mostratram-se mais felizes e satisfeitas num cenário geral. O pesquisador responsável Mathias Mehl chegou a achar que a conversa de elevador fazia mal a saúde. Agora, contudo, apenas classifica que falar de maneira mais engajada faz bem — e pode figuarar como ferramenta para viver melhor.

Existe uma análise simples para cortar o número de palavras sem utilidade ditas numa tacada só. Quem dá a pista é o psiquiatra Mark Epstein, autor do livro “Terapia Zen: quando a terapia e o budismo se encontram no divã”, da Editora Vestígio.

— A chave para não exagerar é saber quando você está falando porque está ansioso, ou apenas para preencher um espaço silencioso. E, e claro, se as suas palavras terão utilidade. Há, inclusive, no budismo um conceito de “right speach” (do inglês, ‘fala correta’). Por vezes a melhor coisa a se dizer é nada. — diz Mark, cuja formação foi na Universidade de Harvard. Em seu consultório, em Nova York, o profissional utiliza práticas que aprendeu na meditação para ouvir os pacientes propriamente. Quando alguém começa a falar sem freio e não está concatenando tudo como deveria, o especialista pede que a pessoa em questão olhe para ele e diga seu nome para começar as frases: pode ser “Mark” ou “doutor Epstein”. Isso aproxima as coisas, ele diz

— Dá para cultivar o silêncio e alguma paz de espírito se conseguimos aprender a não levar nossos pensamentos tão a sério. Isso dá algum tipo de liberdade porque não seremos enganados, nem controlados por pensamentos ou impulsos.

Silêncio e a escuta

Outras análises se debruçam sobre a relevância do silêncio para potencializar a saúde e a vida profissional. Um estudo publicado recentemente no British Journal of Psychology sugere que pessoas idosas precisam de um tempo sozinhas após um encontro social, para justamente recarregar as energias. Em geral, é notada a percepção de que o silêncio pode — no lugar de minar a comunicação — promover uma troca mais vantajosa para todos os lados.

— É importante dar uma pausa para pensar antes de dizer as coisas. Isso diz respeito a “descansar” o mecanismo mental de resposta e, de certa maneira, até preservar nossa reputação. Essa é uma estratégia que serve como um ponto de partida para ouvir (verdadeiramente) e estar presente. E é algo cada vez mais raro no mundo de hoje — diz Justin Zorn, ex-assessor legislativo coautor do livro “O silêncio vale ouro”, da editora Sextante. — Existe um conceito na arte japonesa que chamamos de “Ma”, em resumo, é o espaço entre as coisas. A beleza do espaço entre as coisas. Acredito que para estar realmente presente com outra pessoa precisamos respeitar o espaço entre as perguntas e respostas.

O especialista, é evidente, ressalta a importante necessidade de não se silenciar diante de injustiças ou situações que realmente precisam de denúncia. O direcionamento, neste caso, é sobre papos triviais e diálogos prolongados sem muito sentido.

Christian Dunker, autor do livro O palhaço e o psicanalista: Como escutar os outros pode transformar vidas, da editora Planeta, diz que a dificuldade de escuta é, justamente, deflagrada pela fala incessante.

— É uma tática que se tornou mais facilitada por recursos tecnológicos e por transformações sociais. Há um tipo de fala, que Lacan chegou a chamar de “fala vazia”. Ela é usada para tampar angústias, incertezas e dúvidas. Aquele frio na barriga quando a gente se encontra com o silêncio. Estamos nos afastamos do outro, de outras questões — diz Dunker. — Há um excesso de fala que constrange pessoas que não estão na mesma onda.

FONTE: O GLOBO

 

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