O Congresso acorda para o escândalo do INSS

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Opinião do Estadão

Legislativo reage à crise do INSS tentando apagar um incêndio que ajudou a acender, mas se esquiva da CPMI que deveria apurar as responsabilidades sistêmicas no roubo dos aposentados

A decisão da Câmara dos Deputados de votar a urgência de uma proposta que proíbe os descontos automáticos de mensalidades associativas na folha de pagamento de aposentados e pensionistas do INSS é bem-vinda – ainda que tardia. O fim do instrumento legal que viabilizou um dos maiores escândalos de corrupção da história do País é medida necessária para conter novos abusos, mas não suficiente. O Congresso precisa reconhecer que, mais do que omisso, foi cúmplice – ainda que “culposamente” – de um esquema que, entre 2019 e 2024, saqueou pelo menos R$ 6,3 bilhões de milhões de brasileiros vulneráveis. É hora de apurar, punir e reformar.

Entre 2019 e 2022, o Congresso trabalhou ativamente para enfraquecer os mecanismos de fiscalização dos descontos. A obrigatoriedade de recadastramento anual, proposta por medida provisória para coibir fraudes, foi diluída até ser extinta, com apoio amplo e decisivo de parlamentares de esquerda, então na oposição. Esse afrouxamento permitiu a proliferação de associações de fachada, muitas ligadas a sindicalistas e entidades simpáticas ao atual governo. Desde então, a arrecadação disparou: de R$ 536 milhões em 2021 para R$ 1,3 bilhão em 2023, até R$ 2,8 bilhões em 2024, portanto, já no governo de Lula da Silva.

Um esquema dessa magnitude não é mera obra de uma quadrilha oportunista, mas o produto de um sistema permissivo, capturado por uma miríade de interesses político-corporativistas. Trata-se de omissões reiteradas de servidores do INSS, negligência de governantes, conivência de parlamentares e ausência de controles efetivos. A responsabilidade é compartilhada entre diferentes governos e partidos, mas isso não exime o lulopetismo de um papel agravado. Não só porque o montante dos descontos explodiu sob a gestão de Lula, mas porque o PT e seus satélites foram protagonistas de iniciativas legislativas que facilitaram a burla.

A tentativa do atual governo de reescrever os fatos – apresentando-se como “salvador do INSS” – é um acinte à inteligência nacional. A operação da Polícia Federal não surgiu por iniciativa do Palácio do Planalto. Em 2023, as denúncias chegaram formalmente ao Conselho Nacional de Previdência Social. Carlos Lupi, então ministro da Previdência Social, ignorou olimpicamente os avisos. Seu braço direito e substituto no ministério, Wolney Queiroz, participou das mesmas reuniões e tampouco agiu. O governo só se moveu quando o escândalo ganhou contornos eleitorais e ameaçou respingar diretamente no presidente.

Enquanto as vítimas esperam por ressarcimento – mais de 1,7 milhão já o solicitaram – o Executivo parece mais empenhado em preservar os seus. O Sindnapi, entidade cujos repasses do INSS aumentaram de R$ 41 milhões em 2021 para R$ 149 milhões em 2023, tem como vice-presidente o irmão de Lula. O Planalto age para frustrar a instalação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI). Alega-se que a PF e a Controladoria-Geral da União (CGU) já investigam o caso, como se as atribuições de uma CPMI fossem redundantes. Não são. A função do Parlamento é apurar responsabilidades políticas e propor mecanismos de controle. Se as instituições tivessem funcionado, o escândalo não teria ganhado a escala que ganhou.

Por isso, este jornal reitera seu apoio à instalação de uma CPMI séria, ampla, com poderes de investigação e foco na prevenção de novos crimes. O risco de manipulação política existe – como em toda CPI –, mas a alternativa seria a omissão. E o País já sabe aonde a omissão nos levou.

Um escândalo com ramificações que atravessam partidos, governos e esferas do Estado é terreno fértil para a operação abafa. Há setores no Congresso, tanto da base quanto da oposição, que temem o que uma CPMI republicana possa revelar. Cabe à imprensa, ao Judiciário e à sociedade civil impedir que se repita o velho script da impunidade.

A crise do INSS é mais que uma sucessão de fraudes: é o retrato de um Estado que falha sistematicamente em proteger os mais frágeis e frequentemente age para proteger os mais fortes. Cabe ao Congresso, em vez de se lançar à politicagem autoindulgente, demonstrar que aprendeu com os próprios erros. O primeiro passo é acabar com os mecanismos que permitiram os roubos. O segundo, mais difícil, é enfrentar seus próprios fantasmas.

FONTE: JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO

 

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