Geraldo Samor
Existe uma discussão
envergonhada acontecendo em alguns setores da sociedade sobre o custo econômico
do combate ao coronavírus.
A discussão é envergonhada porque ninguém quer ser visto
“atrapalhando” o que a comunidade científica afirma ser o único curso de ação
neste momento.
Mas se políticos, trabalhadores e empresários forem intelectualmente honestos, todos deveriam admitir que a discussão é válida.
Alguns acusarão este discurso de “argentário”, mas isto seria minimizar o que uma economia minimamente funcional significa para a vida e a dignidade humana.
A economia global
mergulhou numa queda livre que ninguém sabe onde ou quando termina. As
principais vítimas serão as pequenas empresas familiares que têm pouco acesso a
crédito e capital de giro. O restaurante do bairro e a padaria da esquina podem
nunca mais reabrir, mas as grandes empresas — quando a tempestade passar —
voltarão ainda mais ricas e dominantes.
Só esta semana, 2,25 milhões de americanos perderam o emprego
nos EUA — o maior número desde que começaram a coletar os dados.
No Brasil, os estados que já estavam quebrados e inadimplentes — e ainda assim resistiam a cortar na carne e vender estatais — agora acharam a desculpa perfeita para pressionar a União a abrir seus cofres. Politicamente, quem vai conseguir ficar contra essa onda? Alguém em Brasília vai querer ser visto “negando ajuda” numa economia de guerra?
Infelizmente, o custo
desse ‘shutdown’ global será medido não apenas em dinheiro, mas também em
efeitos colaterais como desorganização econômica, desespero e violência urbana.
Milhões de brasileiros — a tia do pastel, o cara do cachorro quente, o
motorista de Uber e a faxineira diarista — dependem da circulação de pessoas e
da existência de um mercado, isto é, oferta e demanda.
Está claro que as autoridades (em todo o mundo) entregaram o
processo decisório à comunidade médica, e os médicos deram ao assunto o
encaminhamento que sabem.
Explicaram que, se não
desacelerarmos o contágio, os sistemas de saúde ficarão sobrecarregados e as
pessoas morrerão — como está acontecendo na Itália — por falta de leitos,
respiradores e médicos.
Isso tudo é verdade — e não se trata de contestá-la.
Mas tirar a economia
global da tomada também terá um custo incalculável. Como os médicos são
treinados para salvar vidas, eles não têm nenhuma obrigação de considerar os
danos econômicos como uma variável importante em sua tomada de decisão. Mas os
governantes precisam.
Ninguém nunca tentou, voluntariamente e de uma hora para
outra, paralisar 80% da economia global — e ninguém nunca tentou religar o
sistema depois de paralisá-lo.
O Senado dos EUA deve anunciar nesta segunda-feira um pacote
de estímulo à economia que pode passar de US$ 2 trilhões, ou 10% do PIB da
maior economia do planeta. Dependendo da duração do shutdown, este pacote de
ajuda pode acabar sendo insuficiente. A Casa Branca está se preparando para
mandar cheques para ajudar as pessoas a atravessar o momento.
Ora, se toda a questão
se resume à falta de leitos hospitalares e respiradores, por que a resposta de
política pública (a nível global) não foi criar uma economia de guerra para
suprir — em um mês — os déficits na infraestrutura dos sistemas de saúde?
Quanto isso custaria? Uma fração do custo de parar tudo talvez seja um chute
razoável.
O argumento contra o ‘lockdown global’ — e a favor de uma
resposta alternativa por parte das autoridades — ganha mais peso quando se
considera o seguinte: a Alemanha estima que de 60% a 70% de sua população
estará infectada em algum momento. O Estado da Califórnia foi mais preciso: estimou
que, em oito semanas, 56% de sua população estará infectada.
Se todos topamos uma
economia de guerra para desacelerar o vírus, por que não montar uma economia de
guerra para exponencializar a capacidade de atendimento dos hospitais?
Para quem conhece a economia brasileira, está claro que o ‘lockdown’
(o mais rigoroso possível) é necessário neste momento, mas não poderá durar
meses. A questão é como encontrar uma
alternativa. Por que não mobilizar o setor privado para encontrar soluções a
nível local, protegendo o os idosos, aumentando o número de leitos e construindo
hospitais de campanha?
O debate sobre uma
alternativa não visa negar a ciência — como fazem alguns governantes
irresponsáveis — e sim complementar o objetivo médico e salvar vidas com a
obrigação das lideranças políticas de salvar, também, a vida econômica do País.
O desemprego ou mata de fome ou de tristeza, e a violência
urbana causada pelo desespero também pode matar.
Passaremos as próximas semanas contando infectados e mortos,
mas quem está fazendo esta outra conta? Um meme que circula na internet diz que
“mais falidos que falecidos” quando esta crise acabar.
Não se trata apenas de um jogo de palavras. É uma pergunta séria em
busca de uma resposta inteligente e inovadora.
Leia mais em https://braziljournal.com/o-custo-economico-do-shutdown-global-e-a-busca-por-alternativas
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