Por: Samuel Celestino
O que os políticos entendem sobre o combate à corrupção e a defesa da ética? Perguntas como tais sempre ficaram sem resposta porque a classe é segmentada. Uma parte dela condena com veemência os corruptos que transitam no Congresso, legislativos e executivos do País, mas a grande parte é silenciosa, a não ser quando se trata de escândalos, como esse que recentemente aconteceu no Distrito Federal, que, pela primeira vez, levou um governador à prisão.
Quem reverbera os casos e a necessidade de combate, sem tréguas à corrupção são a imprensa e o Ministério Público.
O corporativismo dificulta que os legislativos se transformem em caixa de ressonância, a não ser quando os casos são gravíssimos.
E, quando, mesmo sob pressão da opinião pública, chegam à fase de punição, os conselhos de Ética tanto do Senado quanto da Câmara são falhos.
É fácil citar os casos.
Para lembrar apenas os mais rumorosos, estão aí o mensalão do PT, cujos processos ainda tramitam no Supremo Tribunal Federal; o caso de Renan Calheiros e o lobista que, supostamente, pagava a pensão alimentícia da sua filha fruto de uma relação extraconjugal de Calheiros.
Além dos seus embaraços em negócios no seu Estado, Alagoas.
Por fim, o caso José Sarney, que volta e meia emerge centralizado por seu filho mais velho, Fernando Sarney, e a fundação que leva seu nome, em São Luiz.
O mensalão aconteceu em 2005. Somente dois deputados foram punidos com cassação: Roberto Jefferson, que preside o PTB, e José Dirceu.
Os dois vão muitíssimo bem de vida, e mesmo com seus direitos políticos suspensos são exímios articuladores.
Dirceu corre o País de cima abaixo e mantém quase o mesmo prestígio que tinha antes do escândalo.
Nada que estou a expor é desconhecido. Mas vale por seu contexto e pela luta que a opinião pública, a camada mais esclarecida da população, de há muito empreende.
Há mais ou menos dez anos surgiu um movimento que se alastrou pelo País, o “Ética na Política”, mas não surtiu o menor efeito porque os políticos não estão, pelo menos a grande parte deles, interessados em ética.
De resto há uma crise que envolve a ética e outros princípios no Brasil. Fico até com leve impressão de que a situação piorou depois deste movimento, com escândalos mais impressionantes, como o mensalão do PT, envolvendo (pelo menos estão denunciados no STF) 40 mensaleiros e este mensalão indecente e debochado de José Roberto Arruda, secretários do Distrito Federal e parlamentares da Assembleia Distrital.
Além da prisão e da expulsão de Arruda do DEM, ele foi apeado do governo. Alguns parlamentares estão com seus bens indisponíveis para ressarcir, se for o caso, os cofres públicos da milionária tunga. Para se ter uma idéia, o denunciante Durval Barbosa declarou, em notícia ontem divulgada, que somente ele desviou R$ 160 milhões para o esquema de José Roberto Arruda e, supostamente, para o ex-governador Joaquim Roriz, possivelmente um “ficha-suja”.
Hoje, teremos uma terça-feira que irá comprovar se houve mudança ou não na política brasileira. O presidente da Câmara, Michel Temer, tentará colocar em votação a urgência urgentíssima do projeto de lei que estabelece a inelegibilidade de políticos que respondem a processos judiciais. São os “fichas sujas”.
Esse projeto não nasceu na Câmara e, sim, nas ruas e praças do País, com a coleta de assinaturas que atingiram quase dois milhões. Temer faz esforço, até porque será para ele um troféu a apresentar como candidato a vice na chapa de Dilma Rousseff.
Se a urgência que Temer proporá for aprovada, logo em seguida poderá se registrar uma sessão extraordinária para transformar o projeto em lei.
Não é ainda o que se queria, mas é um passo importante.
O projeto está mitigado e só ficarão inelegíveis candidatos que tenham sido condenados por colegiado de magistrados, e não monocraticamente por um juiz. O que, de fato, faz sentido. Nem sempre a decisão monocrática é correta e admite sempre recursos.
Muita gente, porém, ficará de fora, caso o projeto se transforme em lei.
Aqui na Bahia, por exemplo, dezenas e dezenas de prefeitos e ex-prefeitos, além de vereadores, foram cassados pelo Tribunal Regional Eleitoral, e assim aconteceu em todo o País. O TRE tem agido com mais rigor, assim como o Tribunal Superior Eleitoral, TSE. O instituto da imunidade parlamentar, que só deveria valer em tese para as palavras e discursos proferidos pelos deputados e senadores da tribuna. Não fica somente por aí. O processo de cassação de mandato passa por diversas fases e, na maioria das vezes, cai no Conselho de Ética, que de ética não tem nada. Registra-se ainda que muitos procuram o mandato de parlamentar em busca exatamente da imunidade e, com isso, fugir da justiça e ficar impune.
Em ano de eleições gerais, essa terça-feira é importante, mas se deve levar em consideração que a votação será por voto secreto. Abertamente, os parlamentares são sempre favoráveis a que os legislativos sejam compostos por fichas-limpas, e não por marginais. Hoje teremos uma prova dos nove para saber o que o político está de fato a pensar sobre a questão da corrupção, que é uma marca maior na democracia brasileira do que os estragos que o vazamento de óleo ameaça causar no Golfo do México e na costa leste americana, principalmente na Flórida, Luisiana e Mississipi.
Publicado no Jornal ATARDE
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