O erro de apostar tudo na polarização

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Por: Vera Magalhães

Os principais fatos da política, do Judiciário e da economia.

Quem vence a eleição e toma posse precisa dizer ao país a que veio, qual o projeto, o rumo, a agenda. Até aqui não se viu isso.

Lula decidiu enveredar por um caminho perigoso, passado o momento de união de esforços dos Poderes e das demais instituições em reação ao 8 de Janeiro. Em vez de investir em distensionar o ambiente político e isolar o extremismo, achou por bem reforçar, a cada declaração, a polarização, mantendo o fantasma de Jair Bolsonaro vivo, por entender que ele lhe é favorável na comparação, e trazendo Sergio Moro para a ribalta enquanto o ex-juiz andava bastante apagado, tentando ainda se ambientar ao Senado.

O contraste com Bolsonaro funcionou por um tempo, porque começaram a sair do armário esqueletos ainda mais bizarros que os conhecidos nos últimos quatro anos. Mas não é um supertrunfo que se possa usar a cada rodada ao longo do tempo de um mandato presidencial.

A segunda decisão — evocar Moro e o período em que ficou preso — já começou torta, se mostrou um erro de timing quando, no dia seguinte, foi deflagrada uma operação da Polícia Federal para prender acusados de tramar a morte do senador e, por fim, descambou para o desastre ontem com a declaração leviana do presidente de que o adversário haveria tramado a história toda.

É de extrema gravidade que uma facção criminosa que comanda o narcotráfico, os presídios e tem conexões financeiras internacionais trame ataques simultâneos contra autoridades e figuras públicas como forma de mostrar força e afrontar o Estado Democrático de Direito.

Se essa autoridade é Moro ou alguém da esquerda, não importa. Ao chefe de Estado, cabe delegar a investigação a quem de direito: Ministério da Justiça, Polícia Federal, Ministério Público. A partir do momento em que adere sem titubear à propagação de fake news com tons de teoria da conspiração, Lula se iguala ao pior do bolsonarismo, que na véspera havia feito o mesmo com sinal trocado.

É ao cultivar essa polarização odienta, achando que terá ganhos com isso, que o presidente corre o risco de cometer seu erro capital já na largada do governo. Quem vence a eleição e toma posse precisa dizer ao país a que veio, qual o projeto, o rumo, a agenda. Até aqui não se viu isso nesta gestão, pelo contrário.

Na economia, na ausência de norte, o Banco Central foi escolhido como Judas a malhar, numa estratégia que lembra a de Bolsonaro contra o Supremo Tribunal Federal, como disse o economista Marcos Mendes em entrevista ao podcast 2+1 ontem.

Na política, o governo está sem eira nem beira no Congresso, à deriva diante da interdição da pauta promovida por Arthur Lira, a que Lula não consegue se contrapor porque não dispõe de base parlamentar sólida. Daí vem o questionamento óbvio: se não consegue sequer colocar as medidas provisórias para ser analisadas, como o governo conseguirá rever a autonomia do Banco Central ou aprovar o marco fiscal?

De nada adiantará a ala política do governo gastar munição e saliva atirando contra o BC ou, pior, contra o próprio Fernando Haddad, se esse pecado original não for sanado. Alexandre Padilha, que vem tendo atuação bastante moderada, agindo como algodão entre cristais nas brigas entre a ala política e a econômica e entre Lira e Rodrigo Pacheco, precisa mostrar que tem garrafas para vender, sob pena de ser a próxima vítima na fritura em óleo quente.

Diante de tantas arestas a aparar, Lula ficar no palanque chamando ora Bolsonaro, ora Campos Neto, ora Moro (para que mesmo?) para o ringue não parece ser algo com potencial de agradar nem a seu próprio cercadinho. Para o governo dar certo, precisa haver normalidade institucional, até para blindar o país contra a volta do bolsonarismo, e prosperidade econômica. As duas coisas são o oposto do que a retórica presidencial que parece contaminada pela polarização promove.

FONTE: O GLOBO

 

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