Por Malu Gaspar 05/05/2022 • 04:31
Provocaram frisson as declarações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à revista Time, na entrevista em que ele disse que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, é tão responsável pela guerra quanto o russo Vladimir Putin.
Referências para se posicionar de forma diferente, ele tinha.
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No início de março, seu ex-chanceler Celso Amorim rechaçou a invasão da Ucrânia sem mas nem porém: “Eu não posso condenar a invasão dos Estados Unidos ao Iraque e depois aceitar outra invasão”.
O que interessa, nesse caso, não é nem a Ucrânia e nem o Iraque. Feliz ou infelizmente, a influência das palavras de Lula sobre os rumos da guerra é zero.
Seu principal efeito, no momento, é atordoar os estrategistas de campanha, que passam boa parte do tempo tentando convencer interlocutores políticos e jornalistas de que os “erros” não mais se repetirão, porque a comunicação mudará.
Eles sabem que, assim, Lula ajuda o bolsonarismo a reforçar o antipetismo, quando é vital reduzir índices de rejeição.
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Mas, a cada vez que os aliados garantem que “agora Lula será diferente”, surge uma nova declaração que embaralha tudo. No final da semana passada, o ex-presidente afirmou que Bolsonaro “não gosta de gente, só gosta de policial”. Depois teve de pedir desculpas aos policiais.
Há um mês, ele também teve de se explicar depois de conclamar os seguidores a bater na porta dos deputados e a abordar suas famílias para cobrar apoio a projetos.
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Tal comportamento espanta quem já viu Lula ganhar uma eleição com a Carta aos Brasileiros e se reeleger com folga depois do mensalão, executando guinadas de discurso milimetricamente pensadas para atrair os não petistas.
Até os inimigos reconhecem nele um político afiado em se adaptar às mudanças de humor do eleitorado. Ele mesmo já se definiu, certa vez, como uma “metamorfose ambulante”.
Agora, no entanto, seus discursos parecem ter saído dos anos 1990. Por isso, a pergunta que mais se faz nos bastidores é: o que está acontecendo com Lula? Até agora não ouvi nenhuma explicação peremptória, mas algumas hipóteses valem a reflexão.
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Uma delas é que ele ainda completará a migração para o centro, iniciada com a escolha de Geraldo Alckmin para vice. Por essa tese, ainda não é hora de um discurso mais moderado, porque tem muita campanha pela frente.
Se isso é verdade, não dá para entender por que Lula disse à Time que “a gente não discute política econômica antes de ganhar as eleições” e que “primeiro você precisa ganhar para depois saber com quem você vai compor e o que você vai fazer”. O que isso quer dizer? Que Lula espera um cheque em branco do eleitorado?
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Ele gosta de responder que não há por que se preocupar, pois todos vimos o que ele fez em seus governos. Só que isso não faz nenhum sentido. O Brasil mudou muito desde que ele deixou a Presidência, em 2011.
No primeiro mandato, Lula fez um pesado ajuste fiscal e usufruiu um ciclo de grande valorização das commodities. Depois abriu as torneiras do gasto público e ampliou a intervenção do Estado na economia. Agora temos recessão, desemprego e inflação alta. O Estado brasileiro nem de longe tem mais a mesma capacidade de investimentos.
O próprio Lula também não é o mesmo. Não é razoável esperar que, depois de 580 dias preso, longe do dia a dia da política, ele não tenha mudado em nada sua forma de ver as coisas.
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Daí decorre outra hipótese petista: que o entorno de Lula, hoje, seria bem menos hábil na análise de cenários e articulações que o de 2002.
Quem defende esse ponto de vista pondera que ele costuma ouvir muitas opiniões antes de decidir o que fazer. Mas diz que o grupo que o cerca agora, formado pelos deputados Gleisi Hoffmann e José Guimarães e, até outro dia, pelo jornalista Franklin Martins, não se compara em perspicácia a Antonio Palocci, José Dirceu e Luiz Gushiken.
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Por essa hipótese, todos têm culpa nos erros de Lula, menos ele. Como o ex-presidente não é nenhum novato e nunca foi conhecido pela ingenuidade, fica difícil comprá-la pelo valor de face.
Resta uma possibilidade: e se Lula tiver simplesmente se cansado de obedecer aos ditames do marketing político e decidido ganhar a eleição com o petismo raiz? E se ele estiver convencido de que, por ser hoje a única opção viável para derrotar Bolsonaro, pode impor ao eleitorado tudo o que outrora deixou de lado em nome da vitória?
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É cedo para cravar um veredito. Mas, se a última alternativa se provar verdadeira, só restará ao indeciso aceitar que, desta vez, não haverá metamorfose ambulante. E que, se quiser se livrar de Bolsonaro, o que tem para hoje é este Lula mesmo que está aí.
FONTE: PUBLICADO EM O GLOGO
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