Por Editorial
28/06/2021 • 00:00
É provável que o próximo prefeito de Nova York seja um democrata. A dúvida é quem. Treze candidatos concorreram nas primárias do dia 22. Eric Adams lidera a apuração com 31,7% dos votos. Mas ninguém tem certeza se levará mesmo, em razão do novo sistema eleitoral adotado, a votação por ordem de preferência.
Pelo método — similar ao usado em San Francisco, Maine e países como a Austrália —, o eleitor precisa, na hora de votar, ordenar até cinco candidatos segundo sua preferência. Na apuração, caso ninguém obtenha mais de 50% do total, o último colocado é eliminado, e seus votos distribuídos de acordo com a segunda opção. Se o patamar de 50% ainda não tiver sido alcançado, elimina-se o penúltimo e redistribuem-se seus votos. Repete-se o procedimento até alguém atingir 50%.
Por que os nova-iorquinos decidiram adotar um sistema tão abstruso, que torna o voto mais difícil e atrasa os resultados? Não seria mais natural eleger Adams, o mais votado, ou submetê-lo a um segundo turno contra Maya Wiley, a segunda colocada com 22,3%? Defensores da votação preferencial argumentam que não. Dizem que ela afasta a maior chaga da política contemporânea: a polarização. Afirmam que inibe a armadilha do voto útil, abre espaço a candidaturas mais diversas e impede o êxito dos aventureiros.
As evidências em favor dessa visão são frágeis. A FairVote analisou 236 eleições com votação preferencial nos Estados Unidos. Em apenas 15 delas o vencedor não foi o líder na primeira rodada. Em 13 foi o segundo, em duas o terceiro. Em apenas 0,8% dos casos, portanto, as preferências foram distintas do que ocorreria se os dois primeiros se enfrentassem no segundo turno.
O cientista político Jason McDaniel, da Universidade de San Francisco, afirma que o efeito na polarização também é controverso, já que a profusão de opções incentiva o voto segundo estereótipos. Numa pesquisa com várias cidades, ele concluiu que o sistema reduz o comparecimento em até 5%.
É antigo o problema de escolher o método mais justo de eleição. O escritor Lewis Carroll chegou a publicar um ensaio a respeito. O filósofo Condorcet demonstrou que nem toda votação preferencial tem vencedor, pois pode haver resultado circular (o candidato A é preferido ao B; o B ao C; o C ao A). Critérios de decisão como eliminar o último colocado (usado em Nova York) ou atribuir pontos aos candidatos (a “contagem de Bordas”) necessariamente têm custo. Em seu primeiro resultado conhecido, o Nobel de Economia Kenneth Arrow demonstrou ser impossível haver um método eleitoral capaz de, ao mesmo tempo, respeitar a vontade da maioria, apontar um vencedor claro e evitar a armadilha do voto útil.
Em Nova York, complicaram a vida do eleitor para um benefício incerto. É por isso que, no Brasil, precisamos ter cautela com propostas que circulam no Congresso, como a exigência do voto impresso ou as alquimias do distritão e das federações partidárias. Arrow provou que não há sistema eleitoral perfeito. Mas o caso nova-iorquino mostra que sempre dá para piorar.
Editorial de O GLOBO
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