Opinião do Estadão
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino deferiu uma medida cautelar requerida pelo PCdoB para que, na prática, fosse revertido o contrato de concessão da administração dos cemitérios da cidade de São Paulo à iniciativa privada. No dia 24 passado, Dino determinou que a Prefeitura da capital paulista “restabeleça a comercialização e cobrança de serviços funerários, cemiteriais e de cremação tendo como teto (grifo dele) os valores praticados imediatamente antes da concessão (‘privatização’)”, aprovada pela Câmara Municipal e sancionada pelo então prefeito Bruno Covas (PSDB) em 2019.
Em primeiro lugar, deve-se sublinhar o descaso do sr. Dino com a reputação do STF, pela qual ele deveria zelar com muito mais denodo do que esse seu suposto cuidado com a prestação de serviços funerários em São Paulo. Ao deferir o pedido do PCdoB, partido ao qual foi filiado por 15 anos, o ministro abastardou a Corte Suprema, imiscuindo-se em uma política pública local que, em que pesem seus eventuais erros, passaria longe do crivo da mais alta instância do Poder Judiciário não fosse a banalização do princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no art. 1.º, inciso III, da Constituição, base da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) interposta pela legenda.
Em um país no qual a qualidade dos serviços públicos prestados aos cidadãos não raro é sofrível, para onde quer que se olhe haveria, em tese, violações daquele princípio constitucional, ao gosto do freguês. Tudo estaria resumido à criatividade hermenêutica dos reclamantes e/ou de seus interesses políticos de ocasião. Agora imagine o leitor se acaso o STF passasse a se ocupar de cada uma delas.
Com sua decisão monocrática, Dino também contribuiu sobremaneira para ampliar ainda mais a insegurança jurídica no País. Deveria ser ocioso lembrar que, na condição de membro do STF, o ministro deveria se ocupar justamente do contrário. É certo que não faltam reclamações sobre a qualidade do serviço prestado e os valores praticados pelas empresas concessionárias para realizar funerais na capital paulista. Igualmente, é fato que o prefeito Ricardo Nunes é tíbio na fiscalização desses contratos, problemáticos há mais tempo do que seria suportável pelos munícipes, em particular os mais carentes. Mas o processo de concessão da gestão dos cemitérios à iniciativa privada percorreu rigorosamente o devido rito legislativo, desde sua proposição, passando pelos debates políticos no Poder Legislativo municipal até a sanção do alcaide.
Dino, contudo, não perde o sono preocupado com isso. Afinal, ele foi indicado ao STF pelo presidente Lula da Silva, textualmente, não para ser um juiz, mas antes para continuar sendo o político verboso que sempre foi. E é de política que se trata aqui, não de justiça. Tanto do PCdoB, um partido que não sabe operar na democracia, pois perde no voto e recorre às barras do STF, como do ministro, que pôs a força de sua caneta a serviço de sua aversão à iniciativa privada.
FONTE: O JORNAL ESTADO DE SÃO PAULO
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