Opinião|Bem comum, mera figura de retórica

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Atualmente, assiste-se ao coletivo ser superado pelo particular. Um fenômeno que é visto nas próprias instituições do Estado

Por Antônio Cláudio Mariz de Oliveira (*)

13/04/2024 | 03h00

O homem é um animal gregário e, como tal, tem necessidade indeclinável de viver em conjunto com os seus semelhantes. Para que haja uma coexistência pacífica e harmoniosa, é imprescindível um esforço comum, que se desdobra em vários aspectos. Entre eles, é fundamental que haja uma clara limitação imposta pelos interesses da coletividade àqueles de natureza exclusivamente pessoal. O bem comum como meta de todos até para que se possa alcançar os interesses individuais.

Mas, atualmente, assiste-se ao coletivo ser superado pelo particular. Esse fenômeno é visto nas próprias instituições do Estado. Verifica-se que muitos servidores públicos colocam em seu benefício os vários setores nos quais intervêm, ao contrário de os utilizar como instrumentos de apoio e amparo aos interesses da sociedade.

Os agentes estatais têm grande dificuldade ou não querem fazer a imprescindível distinção entre o público e o privado. O bem de todos passa a ser individualizado. A coisa nossa se transforma em coisa minha.

Uma observação é imprescindível: toda generalização pode conduzir a injustiças, portanto, ressalve-se que nem todo servidor confunde o público com o privado. São muitos os que agem com absoluta correção e batalham pelo bem comum.

No Poder Judiciário, um fenômeno vem alterando substancialmente o posicionamento de alguns magistrados. Trata-se do protagonismo que veio substituir a discrição que sempre marcou os juízes brasileiros.

Tenho a impressão de que o fenômeno teve início com o televisionamento das sessões dos julgamentos, a partir da operação denominada mensalão, no início dos anos de 2010, especialmente no Supremo Tribunal Federal (STF). O Poder Judiciário, até então quase inacessível ao público, adquiriu visibilidade a partir da conduta individual de seus integrantes, que transmite versões diversas de uma realidade que deveria ser, ao menos, homogênea.

A imagem da Justiça fica vinculada às características pessoais de alguns julgadores. Exatamente aqueles que se apresentam com maior assiduidade.

Desta forma, o povo acaba por não ter uma visão abrangente do Judiciário, mas sim parcial. O bem administrado por este Poder estatal, que é a distribuição da Justiça, ficou em segundo plano, assumindo realce a conduta individual de seus integrantes.

Essa distorção da importante função estatal é agravada por um fato que representa a própria negação de sua existência: as decisões monocráticas. Os tribunais se justificam pela possibilidade de um julgado individual ser revisto por vários juízes, em regra mais experientes. São as decisões colegiadas. Essa é a razão de ser das Cortes chamadas de superiores.

Tornaram-se comuns as apreciações de recursos e medidas por um único membro dos tribunais. Tal fato significa que o Poder Judiciário prioriza o singular, em detrimento do coletivo.

Ademais, há hoje uma aproximação de membros do Poder Judiciário com segmentos sociais, num convívio mal dosado, que pode transmitir impressões não consentâneas com a realidade. Há quem entenda salutares os contatos de magistrados com a sociedade. Problema algum haveria, se o seu escopo fosse desprovido de qualquer interesse diverso da simples convivência. Mas, como as intenções dos jurisdicionados são indesvendáveis, a mera dúvida recomenda cautela, muita cautela.

Agentes do Estado de outros órgãos também agem em benefício próprio, pois os seus objetivos raramente coincidem com o querer social. No Legislativo, não se dá o devido acatamento aos ideais e anseios coletivos. A conduta parlamentar é impulsionada pela avidez de serem alcançadas metas que se situam na esfera restrita dos desejos particulares. Mais uma vez o bem comum é desprezado.

Por outro lado, as omissões do Poder Executivo, em detrimento dos interesses sociais, contrariam os próprios objetivos do Estado, que deveriam estar voltados para a supressão das incontáveis carências de vários setores abandonados pelo poder público. Uma ínfima parcela social supre as suas necessidades com recursos próprios ou com os privilégios proporcionados pela proximidade com o poder. Mas a gigantesca maioria amarga e suporta como pode as suas vergonhosas carências. Novamente, mesquinhos interesses estimulam o contínuo abandono a que foram relegados esses segmentos sociais.

Os privilegiados, igualmente, não respeitam o bem comum. A solidariedade e o amor ao próximo surgem em face de pontuais sofrimentos coletivos, mas não constituem o cotidiano, não são postos no radar dos objetivos de cada qual.

Cobiça, substituição do ser pelo ter, consumismo, competição aética, protagonismo pessoal cobertos pelo manto nefasto do egoísmo, da insensibilidade e da falta de humanidade marcam condutas e omissões que nos distanciam da formação de um país melhor, justo e igualitário. Como condição de sobrevivência da sociedade, o bem comum deve ser restaurado.

(*)ADVOGADO

Opinião por Antônio Cláudio Mariz de Oliveira

Advogado

FONTE: Estadão

 

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