Resultados dos testes de Oxford dão a Bolsonaro uma oportunidade para redimir parte de seus erros
Editorial
24/11/2020 – 00:00
Há luz no fim do ano. Se 2020 começou sob o espectro sombrio de uma nova doença, sobre a qual nada se sabia e que rapidamente se transformou na pandemia mais letal em um século, o ano termina com expectativas mais animadoras, ainda que sob os efeitos de uma nova onda de contágio da Covid-19.
As empresas Pfizer/BioNTech e Moderna anunciaram há poucos dias êxito nos testes finais de suas vacinas. Ontem foi a vez de a Universidade de Oxford trazer notícias boas sobre a vacina desenvolvida com a farmacêutica AstraZeneca, testada no Brasil em parceria com a Fiocruz. A chinesa Sinovac também prometeu para o início de dezembro os resultados de seus testes, parte deles a cargo do Instituto Butantan, de São Paulo.
Apesar de ainda persistirem dúvidas sobre a dosagem, a eficácia média verificada na última fase de testes da vacina da AstraZeneca/Oxford foi de 70%, superior ao patamar mínimo de 50% estipulado pelos cientistas para recomendar a aplicação. Se é notícia boa para o mundo todo, para o Brasil é melhor ainda. Foi essa a vacina em que o governo federal apostou todas as suas fichas — cegamente, diga-se. Pelos resultados divulgados, parece ter ganhado a aposta.
Em agosto, o Ministério da Saúde firmou um acordo de R$ 1,9 bilhão para a Fiocruz importar tecnologia e produzir a vacina numa fábrica que está sendo construída em Manguinhos, que deverá começar a operar em fevereiro. Levando em conta a aplicação de maior eficácia sugerida pelos testes (meia dose seguida de uma dose), a Fiocruz estima ser possível vacinar 65 milhões de brasileiros no primeiro semestre de 2021, outros 65 milhões no segundo semestre.
O resultado positivo é um motivo contundente para investir o que for necessário para acelerar a produção. Trata-se de uma vacina de custo baixo (inferior a US$ 3 a dose), fácil de fabricar e distribuir, pois pode ser armazenada em condições normais de refrigeração (entre 2° C e 8° C). Tais fatores facilitam a logística da vacinação num país continental. Outras vacinas certamente poderão fazer parte de um programa bem desenhado de imunização, que priorize os grupos mais expostos e sob maior risco, como profissionais de saúde, idosos, obesos, diabéticos ou hipertensos.
Um ponto de partida são os programas nacionais de vacinação já existentes há décadas. Os bons ventos que sopram da Ciência são também uma oportunidade para o presidente Jair Bolsonaro redimir ao menos parte da sucessão de erros que marcaram sua gestão da pandemia — e levaram o país à triste marca de 170 mil mortos, segunda maior do planeta. Com uma vacina 70% eficaz, seria necessário vacinar quase toda a população para o país ultrapassar o limiar de imunidade coletiva e garantir a erradicação do vírus. Daí a importância da vacinação obrigatória, proposta sempre rechaçada por Bolsonaro.
Por enquanto, por mais alvissareiras que sejam as notícias, nada muda em relação às precauções sanitárias para evitar o contágio. Ao contrário. Num momento em que a pandemia ensaia uma segunda onda no Brasil — o aumento na ocupação de leitos de UTI nos estados é evidente — , elas devem ser reforçadas. Qualquer vacina, incluindo a de Oxford, só deverá estar disponível no primeiro semestre do ano que vem — e só quem estiver vivo até lá poderá ser vacinado.
Fonte: O GLOBO
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