Receitas caíram com queda de repasses do ICMS devido à redução de alíquotas sobre combustíveis, aprovada às vésperas das eleições de 2022. E despesas cresceram com maior gasto com pessoal
Por Victoria Abel — Brasília 04/01/2024 04h00 Atualizado há uma hora
Em pleno ano de eleições municipais, as prefeituras vão começar 2024 com as contas no vermelho. Segundo estimativas de técnicos da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), as prefeituras devem encerrar 2023 com déficit de até R$ 4,7 bilhões. O número ainda pode passar por revisão em razão de aportes feitos pela União no fim do ano e que estão sendo contabilizados pela Frente, mas a piora nas contas é dada como certa.
Estudo elaborado pela Frente ressalta que, em 2022, o resultado primário (receitas menos despesas) caiu 45% do quinto para o sexto bimestre. E avalia que o comportamento deve ter se repetido no fim do ano passado.
— Os dados são até outubro e verificamos que há movimento de déficit. Se olharmos só o movimento sazonal, temos uma piora. Mas houve receitas extraordinárias, como compensação de ICMS e Fundo de Participação dos Municípios (FPM) — diz o economista da FNP, KleberCastro.
De janeiro a outubro de 2023, os municípios registraram déficit de R$ 2,3 bilhões. O último bimestre tende a ser pior em razão do impacto no caixa do pagamento do 13º salário e de outras despesas sazonais.
Números do Banco Central corroboram a avaliação de deterioração nas contas. De acordo com a Nota de Política Fiscal, os municípios fecharam 2022 com superávit de R$ 21 bilhões, mas chegaram ao fim de outubro de 2023 com rombo de R$ 10,9 bilhões no acumulado em 12 meses.
Dependência de repasses
As prefeituras atribuem essa deterioração no caixa a uma série de fatores. Um deles é a queda de receitas com ICMS, que começou em 2022, pouco antes da eleição presidencial, quando o Congresso aprovou uma proposta apoiada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro de redução das alíquotas do tributo sobre combustíveis.
A receita do ICMS é compartilhada pelos estados com os municípios. O impacto para os governos locais foi de tal ordem que o tema foi judicializado. Em junho do ano passado, um acordo firmado entre União, estados e municípios e homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) determinou ressarcimento de R$ 27,5 bilhões.
Além do ICMS, as prefeituras citam repasse menor do FPM, principalmente no período de julho a outubro. O FPM é distribuído pelo governo federal com base na arrecadação de impostos da União.
“Em meio a um cenário de piora no indicador primário, há muitas localidades que ainda apresentam equilíbrio fiscal, enquanto outras apresentam um quadro muito mais grave do que o apresentado pela média”, diz o estudo da FNP.
Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), a receita das prefeituras tem sido insuficiente para fazer frente ao crescimento generalizado das despesas públicas. O quadro fez com que muitas cidades enfrentassem situação precária, com alto comprometimento da Receita Corrente Líquida (RCL).
— Precisamos falar sobre o que não deve ser feito pelos gestores, como assumir programas federais sem análise que avalie se o repasse será suficiente para financiar a política. Esses programas sobrecarregam os municípios com enormes custos de pessoal e estrutura para executá-los — avalia o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, cuja associação é voltada para cidades de pequeno porte.
A confederação aponta aumento de despesas com custeio da máquina pública (19%) e gasto de pessoal (6%). E cita aumento de 40% no investimento público feito em parte com a poupança (superávit primário) de exercícios anteriores.
— Do lado da receita, a maioria desses municípios (de pequeno porte) depende integralmente ou quase integralmente de repasses legais. Um caminho alternativo é a busca de receitas próprias com IPTU e aumento da atividade econômica (ISS). Mas nem sempre atuar na receita é fácil — afirma o economista, especialista em contas públicas, e professor do Insper André Luiz Marques.
Para o especialista, é preciso melhorar o resultado cortando despesas.
— Para isso, rever o que é feito pela prefeitura, quantidade de servidores não concursados e compartilhamento de recursos com outros municípios são algumas alternativas — afirma.
Dados do Tesouro compilados pela CMN levam em conta 2,6 mil prefeituras e mostram que os municípios de pequeno porte concentram o déficit, que não é coberto pelo superávit das cidades maiores.
Ajuste em gasto e receita
Até o fim de outubro, os municípios pequenos somavam R$ 4,6 bilhões de déficit. No mesmo período, os de médio porte tinham superávit de R$ 728 milhões, e as grandes cidades, de R$ 1,5 bilhão.
A pesquisa da CNM aponta deterioração nas contas das prefeituras de todos os tamanhos. Nas cidades de médio porte, o percentual de municípios no vermelho passou de 43% até junho para 50% até outubro. Nas grandes, no mesmo período, o percentual passou de 15% para 36%.
A piora ocorre em municípios de ao menos 13 estados, sendo seis do Nordeste (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte), três do Sudeste (Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo), dois do Norte (Pará e Roraima) e dois do Sul (Paraná e Rio Grande do Sul).
Medidas de melhora na arrecadação, como a recomposição do FPM, o pagamento adicional de 1% do fundo em dezembro e a compensação de perdas de ICMS pela União, podem alcançar R$ 14 bilhões em 2023, diz a CNM.
Por outro lado, a União deve fixar a taxa de reajuste do piso do magistério, afetando despesas de pessoal. Além disso, 2024 marcará o primeiro ano de vigência política de reajustes do salário mínimo.
— O desafio é controlar despesas mais rígidas, como gastos com servidores, e avaliar o impacto dos investimentos e demais despesas não só no ano em que se realiza o orçamento, mas nos anos seguintes — diz a economista e diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), Vilma Pinto.
As prefeituras argumentam que 25% da folha de pagamento está vinculada ao magistério, cujo piso salarial é calculado pela União e teve reajustes de 33,24% em 2022 e de 14,95% em 2023. Só em 2023, o impacto foi calculado em R$ 19,4 bilhões pela CNM.
Nem todos os municípios seguem à risca o percentual, mas o valor dá uma dimensão do peso da medida para as contas locais.
O economista-chefe da Warren Investimentos e ex-secretário de Fazenda de São Paulo, Felipe Salto, diz que alertou para o problema, quando esteve à frente da pasta:
— Aqueles que são mais dependentes de transferências do governo central são os mais prejudicados. Como muitos optaram por conceder reajustes salariais, a situação piorou.
Salto diz que será inevitável que as prefeituras adotem medidas de contenção de gastos. Além disso, diz que é preciso fortalecer a gestão de municípios pequenos:
— A saída passa por ajuste fiscal, pelo lado do gasto e da arrecadação. A União já entrou com mais receitas. É preciso ter soluções estruturais.
FONTE: O GLOBO
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