Profeta de araque

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Opinião do Estadão

Como não governa, Lula da Silva faz comícios, caçando votos antes da hora e posando de messias – como na Paraíba, onde se apresentou como um enviado de Deus para levar água ao sertão.

Água é vida, mas no mundo de Lula da Silva, água é, acima de tudo, voto. Convicto dessa certeza, e demonstrando que pensa e trabalha com a cabeça exclusivamente na próxima disputa eleitoral, o presidente, já naturalmente em estado permanente de campanha, deflagrou a temporada populista de caça ao voto, surpreendendo até mesmo quem se acostumou ao seu modo palanqueiro de governar: em discurso durante um evento na região de Cachoeira dos Índios, no sertão da Paraíba, onde entregou um trecho da obra que integra o projeto de transposição do Rio São Francisco, o demiurgo petista se apresentou como um enviado de Deus para salvar os pobres da seca. “Graças a Deus, descobri uma coisa”, anunciou Lula, qual um profeta, para uma plateia selecionada. “Deus deixou o sertão sem água porque Ele sabia que eu ia ser presidente da República e que eu ia trazer água para cá.”

Em tom de quem tem poderes quase divinos, o presidente-candidato pregou seu evangelho – a crença de que, não obstante a reconhecida mediocridade do seu terceiro mandato, é o responsável pela redenção nacional. Lula lembrou à plateia dócil de militantes e moradores escolhidos a dedo que a obra em questão é esperada há 179 anos como forma de trazer água para a região, e precisou que ele chegasse à Presidência para garantir tal bem àqueles castigados pela escassez. “Essa obra é a redenção de um povo”, afirmou, triunfante.

Antes do discurso na Paraíba, Lula esteve em Salgueiro, interior de Pernambuco, onde assinou ordem de serviço para a duplicação da capacidade de bombeamento de água do eixo norte da transposição do São Francisco e, não satisfeito, citou realizações do seu governo e fez promessas a esmo. Nos dois palanques, prometeu crédito para moradia, preço baixo para o gás de cozinha e financiamento de motocicletas, além de informar, para a surpresa de rigorosamente ninguém, que viajará o Brasil inteiro após anunciar programas de crédito. É o roteiro habitual de quem governa sem pensar em outra coisa senão no próprio poder, na recuperação da popularidade perdida e na próxima eleição.

É Lula em estado bruto: enquanto o seu governo está fazendo água por todos os lados e amarga a impopularidade inclusive no eleitorado mais fiel ao presidente – a população mais pobre e os nordestinos –, ele só tem o palanque para recorrer. Engolfado pela incompetência do seu governo e pressionado pela proximidade do ciclo eleitoral de 2026, Lula acelera o populismo. Convicto de que é o pai dos pobres, ignora que, a despeito dos méritos de iniciativas como oferta de crédito e gás de cozinha mais barato para os mais pobres, nada, na prática, é de graça – e o País paga a conta de sua habitual demagogia.

O presidente e seus arcontes têm a mais plena certeza de que o Brasil gira em torno de Lula. Na teoria lulocêntrica, só ele é capaz de livrar o País e os brasileiros do mal maior – o bolsonarismo. Como, para o presidente, Deus só existe porque o diabo também existe, a seita lulopetista, também para existir, requer a existência de um inimigo tinhoso. No palanque pernambucano, Lula recorreu, como de praxe, à sua marotagem preferencial de justificar as falhas do seu governo ao passado, citando obras de casas e creches que teriam ficado paralisadas na gestão de Jair Bolsonaro. E, com seu linguajar próprio, concluiu, apontando para 2026: “A gente não pode votar em qualquer tranqueira para governar este país”.

Esse vício palanqueiro se mostra agora invariavelmente adornado pelas referências religiosas. Há alguns meses, em outra viagem a Pernambuco, Lula já havia transformado o palanque em missa de quermesse, usando, num só discurso, inacreditáveis 27 vezes “Deus” e “milagre”. Disse ter sido escolhido pelo “homem lá de cima” e definiu como um “milagre de fé” a obra que levará águas do Rio São Francisco ao agreste pernambucano. Lula, diria Santo Tomás de Aquino, quer fazer crer que seu governo está no terreno do mistério, isto é, que não se explica por meios racionais. Mas não há mistério nenhum: o PT de Lula, que esteve no poder em 15 dos últimos 22 anos, já se provou simplesmente incapaz de realizar os milagres que seu profeta de fancaria anuncia.

Publicado no Jornal o Estado de São Paulo

 

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