Questões que podem definir as eleições 2022: veja em seis pontos o que vai mover a opinião pública

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O GLOBO reuniu especialistas para discutir os principais pontos de interrogação que fazem parte tanto de estudos acadêmicos quanto do papo no botequim da esquina, em casa ou no “zap” da família

Por Bianca Gomes, Dimitrius Dantas e Nicolas Iory — Brasília e São Paulo

14/08/2022 04h30  Atualizado há 3 dias

Candidatos do país inteiro poderão sair às ruas, com suas carreatas e santinhos, a partir de terça-feira, dia do início da campanha eleitoral de 2022. Polarizada até aqui, a disputa envolve o ineditismo, na História política brasileira, de um ex-presidente, o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, disputando o Planalto com o chefe do Executivo, Jair Bolsonaro (PL). O embate entre dois políticos tão carismáticos quanto antagônicos também envolve perguntas até aqui sem respostas claras.

O GLOBO reuniu especialistas em opinião pública, ciência política, estatística e filosofia para discutir seis dos principais pontos de interrogação que fazem parte tanto de estudos acadêmicos quanto do papo no botequim da esquina, em casa ou no “zap” da família.

O clima hostil da pré-campanha, marcada por ataques contra o processo eleitoral e ânimos acirrados, não deve dar trégua até outubro. O cenário é ainda reforçado pela alta rejeição a Lula e Bolsonaro, que têm respectivamente 36% e 53% de eleitores dizendo não votar de jeito nenhum em seus nomes, segundo o levantamento mais recente do Datafolha, de julho.

Do peso eleitoral do Auxílio Brasil turbinado para R$ 600 a menos de dois meses da votação à discussão sobre a existência ou não de votos envergonhados, há também outros temas nestas duas páginas, como a influência da desinformação e de líderes religiosos na decisão do voto, e a ausência, até aqui, de uma terceira via nacional e seu impacto nos estados. Outro tema que demanda reflexão: a propaganda política na TV e rádio será decisiva?

Em um país modificado após mais de dois anos de pandemia, os principais lados da política brasileira permaneceram rigorosamente os mesmos. Assim como os especialistas, as campanhas de Lula e Bolsonaro também devem estar em busca de respostas para estas e outras perguntas.

O Auxílio Brasil vai transferir eleitores de um lado para o outro?

Desde os governos do PT, pesquisadores vêm estudando o impacto do Bolsa Família nas eleições. E a maioria deles concorda: sim, programas de transferência de renda, como o Bolsa Escola, o Bolsa Família ou o Auxílio Brasil rendem votos. Entretanto, segundo esses especialistas, se esse efeito se mantiver nos níveis observados historicamente, não deve ser capaz de virar a eleição, sob a condição, é claro, de que o cenário atual identificado pelas pesquisas de intenção de voto se mantenha. Mas também avisam: o presidente Jair Bolsonaro adicionou outro ingrediente a essa lógica: nunca se despejou tanto dinheiro tão perto da eleição.

Ou seja, embora se saiba que o Auxílio Brasil e os benefícios darão votos ao atual presidente, nem Fernando Henrique nem Lula e tampouco Dilma Rousseff fizeram isso na escala que Bolsonaro faz a dois meses da eleição. A sensação de melhora econômica imediata será mais poderosa do que em outras eleições ou o eleitor vai identificar o uso eleitoral da medida.

— Com base no que se sabe nesse sentido, um aumento substancial da transferência de renda pode ter um efeito eleitoral, mas não deve ser um gigantesco. No caso do Bolsa Família, que foi pago ao longo de quatro anos, houve um aumento na faixa de cerca de dez pontos percentuais na probabilidade de alguém votar no candidato do governo — analisa o cientista político César Zucco, da Fundação Getulio Vargas.

Esse número pode ser traduzido da seguinte maneira: se um grupo de cem pessoas virar beneficiário de um programa de transferência de renda, o candidato do governo deve ganhar dez votos. Passando a estatística para a nossa realidade, isso equivale a aproximadamente 2 a 3 milhões de votos a mais do que Bolsonaro teria antes.

Junto com outros pesquisadores, Zucco olha com lupa desde os governos petistas para o impacto de programas como o Bolsa Família nas eleições, e suas pesquisas estão entre as mais citadas sobre o tema. Hoje, Bolsonaro tem 26% das intenções de voto no primeiro turno entre os beneficiários do Auxílio Brasil, segundo o Datafolha, mas esse número já vem subindo: em junho, era de 22%.

Os números, no entanto, devem ser entendidos com algumas ressalvas, segundo o professor da FGV. Em primeiro lugar, mesmo que não fizesse nada, o esperado é que Bolsonaro consiga um resultado melhor nas cidades mais pobres. Foi o que aconteceu com o PSDB nos governos FH e o que ocorreu com o PT no Planalto. E mais: o cenário econômico como um todo melhorou para o presidente nos últimos meses. O preço do petróleo está em queda e o valor das commodities agrícolas está em alta, dois fatores que naturalmente aquecem o mercado brasileiro. O impacto dessa sensação de melhora, diz Zucco, é uma incógnita que só será respondida nas eleições:

— O eleitor está vindo de uma situação muito ruim e percebe uma leve melhora. Isso faz com que ele vote no governo? Ou ele vai sentir que ainda está ruim? Para isso, do ponto de vista científico, não temos uma resposta clara.

Para o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Sérgio Simoni Junior, eleitores beneficiários de programas podem até ter mais propensão a votar em Bolsonaro por causa do aumento, mas o fator Lula, mais associado à transferência de renda, deve reduzir esse efeito:

— O tamanho desse retorno (em votos, para Bolsonaro) vai depender de como os dois partidos colocarem isso no seu discurso. O PT teve um ganho eleitoral não apenas porque deu o benefício, mas porque incluiu isso no discurso.

Com rejeições em alta, haverá voto envergonhado no Brasil?

Ao ser abordado pelo entrevistador de um instituto de pesquisa, o eleitor decide mentir ou omitir sua intenção de voto. Motivo: ele tem vergonha de declarar a sua escolha, que pode ser julgada.

Alvo de debates entre pesquisadores da área, o conceito de “voto envergonhado” veio à tona após as eleições americanas de 2016, quando institutos previram vitória para Hillary Clinton, mas votos de Donald Trump estavam subestimados especialmente em amostras de estados-chave como Michigan, Wisconsin e Pensilvânia. Estudos nunca conseguiram comprovar, no entanto, que houve um “voto envergonhado” não captado pelas pesquisas.

No Brasil, o cenário é um pouco diferente. Aqui, ainda não há dados robustos sobre o fenômeno. No entanto, com cenário político hostil e de grande rejeição aos dois mais bem colocados nas pesquisas — Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro —, essa hipótese pode voltar a ser foco de atenção.

Diretor na Universidade de Michigan e integrante da Associação Americana para Pesquisa de Opinião Pública (AAPOR), o estatístico Raphael Nishimura explica que o conceito chamado de ‘receio de reprovação social’, este comprovado na literatura de opinião pública, sob certas condições seria um mecanismo que explicaria o voto envergonhado — caso confirmado empiricamente com dados de pesquisas.

— Acontece quando o entrevistado quer passar uma imagem de acordo com o que ele acredita ser esperado pelo entrevistador e que, de alguma forma, é mais socialmente aceito. Um bom exemplo na literatura são as pesquisas sobre aborto. Quando comparamos o percentual de mulheres que dizem ter feito aborto com os dados oficiais de saúde, vemos uma subnotificação. Outro exemplo é quando perguntamos se a pessoa votou na eleição. O número de quem diz ter votado é maior do que o real — explica Nishimura.

Alessandro Janoni, consultor e ex-diretor do Datafolha, lembra de testes feitos pelo instituto em eleições passadas. Os votos envergonhados não apareceram:

—A melhor maneira de medir o voto envergonhado é pedir para o eleitor, além de responder à pesquisa estimulada, declarar o voto de maneira secreta. No passado, chegamos a usar uma urna, onde ele depositava o voto. Mais recentemente, passamos a simular a urna eletrônica num tablet no qual o eleitor digitava o candidato sem o pesquisador ver. Concluímos que a diferença (entre o voto declarado ao pesquisador e na urna) é residual.

Janoni acredita que a hipótese do voto envergonhado acaba sendo uma “cortina de fumaça” para explicar como o voto é formado:

— Há três principais vetores de composição do voto. O primeiro é o da representatividade, ou seja, a pessoa se sentir parte de um grupo. Outro são os valores, que nas eleições passadas tiveram um peso exuberante. Por último, há a avaliação do político como gestor, que, este ano, é o vetor com maior peso.

Diretor do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop/Unicamp), Oswaldo Amaral diz que a ausência de uma terceira via forte começa a fazer aparecer um voto que não era tão convicto. Não necessariamente fruto de vergonha, mas de falta de opção. Serão muitos os que devem votar em Lula ou Bolsonaro tendo a rejeição a um dos polos como principal motivação:

— Pessoas que estavam escolhendo outros candidatos agora entendem que precisam optar entre um dos dois. Os que não querem o PT de forma alguma acabam tendendo para o Bolsonaro, mesmo sem gostar do governo.

As fake news serão mais intensas?

A entrevista de Jair Bolsonaro ao podcast Flow deu uma amostra do que se pode esperar nas eleições deste ano em termos de fake news. Embora a Justiça Eleitoral se desdobre para combater a disseminação de informações falsas e prometa rapidez e rigor nas apurações, o candidato à reeleição sentiu-se à vontade para, em um intervalo de cinco horas, mentir ao menos sete vezes, incluindo sobre a vacina da Covid-19 e o sistema eleitoral brasileiro.

As informações inverídicas foram rapidamente contestadas pela imprensa, mas o alcance dos desmentidos, entre a audiência da entrevista, é discutível.

Na esteira da entrevista de Bolsonaro, Tatiana Dourado, doutora em comunicação e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital, alerta que é importante dar mais celeridade à análise e aplicação de medidas como remoção ou moderação de conteúdo.

A especialista cita estudos que têm mostrado fake news explorando temas, crenças e ideologias do conservadorismo radical e de extrema-direita, com trânsito entre plataformas e volume de compartilhamento maior se comparado aos conteúdos de outros polos:

—Isso significa que indivíduos estão hoje mais facilmente expostos a materiais falsos, distorcidos, contraditórios, bem como à incivilidade, e isso interfere na qualidade do voto.

A especialista acredita que o impacto da desinformação tende a ser maior este ano por causa do contexto político já radicalizado — embora instituições e plataformas tenham acumulado mais experiência para combater o problema. Diretora do InternetLab, Heloisa Massaro complementa:

— As campanhas e a forma de fazer propaganda se reinventam e, no ambiente digital, esse processo é ainda mais rápido.

Propagandas de TV terão impacto?

Medo e esperança desempenharão papéis-chave nas campanhas à Presidência. Um dos instrumentos para despertar essas emoções nos eleitores é a propaganda no rádio e na TV, que terá 12 minutos e 30 segundos em cada bloco a partir do dia 26. Nas cinco eleições presidenciais de 2002 para cá, só em duas o vencedor tinha a maior fatia de minutos: Dilma Rousseff (PT), em 2010 e 2014.

A maior expressão de que não há conversão direta de tempo de propaganda em sucesso eleitoral veio em 2018. Geraldo Alckmin, então no PSDB, concentrou sozinho 44% do horário eleitoral, mas recebeu menos de 5% dos votos. O mais votado foi Jair Bolsonaro (PL), com seus oito segundos.

O pesquisador do Cepesp/FGV Jairo Pimentel, que escreveu um livro sobre o assunto, diz, porém, que 2018 não decreta a obsolescência dos meios tradicionais de comunicação:

— Alguns segmentos estão longe das redes, sobretudo os mais pobres e os velhos. Na última eleição, os telejornais foram importantes para Bolsonaro por causa da exposição sobre a facada.

Lula e Bolsonaro terão juntos praticamente metade do tempo reservado aos presidenciáveis. O professor de comunicação política Roberto Gondo, da Universidade Mackenzie, prevê que a economia será pano de fundo televisivo:

— O bolso do trabalhador será ponto central. E o binômio medo-esperança fará desta uma eleição com forte carga emocional.

Além dos blocos no horário eleitoral, as emissoras reservarão 70 minutos diários para propagandas de 30 segundos cada. O jornalista e consultor Thomas Traumann avalia que esses espaços são ainda mais eficientes para atingir os eleitores:

— O bombardeio de propagandas faz a diferença porque pega o eleitor desprevenido. Nesses espaços menores, o candidato bate sem receber uma resposta logo em seguida.

A polarização nacional vai prevalecer?

A polarização entre Lula e Bolsonaro tende a extrapolar a disputa nacional e se infiltrar nas campanhas estaduais. Especialistas não discordam de que nomes da chamada terceira via terão potencial reduzido de tirar o foco do embate principal, mesmo nos estados. Segundo o Datafolha, candidatos de fora da dupla Bolsonaro-Lula somavam 13% das intenções de voto em julho. No primeiro turno da eleição de 2018, foram 25% os eleitores que escolheram outro nome que não os de Bolsonaro e Fernando Haddad (PT).

A concentração da preferência de três quartos dos eleitores em só dois candidatos balizou a definição das alianças nos estados. No Ceará, o PDT, de Ciro Gomes, rompeu acordo com o PT para não oferecer o palanque a Lula. O ex-presidente também foi pivô de divergências entre os diretórios estaduais do MDB, sigla de Simone Tebet.

O doutor em filosofia Wilson Gomes, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), projeta que a polarização nacional contaminará os pleitos estaduais:

— A eleição é organizada em torno de dois centros de gravidade, Lula e Bolsonaro, que terão efeito nos estados. O candidato será avaliado a partir de sua proximidade com essas forças.

Uma das consequências desse cenário será a redução dos temas em debate, avalia Paulo Vasconcelos, marqueteiro responsável pela campanha de Cláudio Castro (PL) no Rio:

— A polarização reduzirá a campanha nacional a valores caros aos candidatos, poucos entre os que têm de ser discutidos.

Atritos políticos e particularidades locais podem, no entanto, minimizar a influência da polarização nacional, diz Roberto Amaral, ex-presidente do PSB:

— Na Paraíba, o PSB de Geraldo Alckmin apoia um candidato ao governo, enquanto o PT endossa outro. Isso se repete no país.

Líderes religiosos vão influenciar?

As eleições de 2018 colocaram de vez os votos dos evangélicos no centro do debate: dados do Datafolha mostram que Bolsonaro foi a escolha de 69% desse público no segundo turno de 2018, um grupo que compreende 25% do eleitorado.

Neste ano, ainda de acordo com o instituto, eles formam um dos poucos estratos nos quais o presidente ainda lidera. Mas a distância não é tão grande por enquanto: em eventual segundo turno, Bolsonaro tem 52% das intenções de voto, 17 pontos percentuais a menos do que foi identificado em 2018.

De acordo com pesquisadores ouvidos pelo GLOBO na última semana, os dados demonstram dois fatos: sim, existe uma tendência de identificação entre evangélicos e Bolsonaro, alicerçada na aliança que o presidente construiu com os líderes religiosos. Mas também destacam que esse público não está alheio a outras influências, como a economia.

— Não é somente uma questão de os pastores determinarem o voto dos fiéis. Existe o acesso desses fiéis a espaços de circulação de informação ou desinformação, e a crise econômica na qual o país vivia e vive — diz o pesquisador Joanildo Burity, da Fundação Joaquim Nabuco.

Pesquisa feita pelo cientista político Matheus Gomes Mendonça Ferreira, da UFMG, identificou que a capacidade de mobilização das lideranças existe, mas não é completa. Os dados indicam que as mensagens de religiosos têm mais efeitos de acordo com a denominação: em comparação com um eleitor católico, um evangélico pentecostal teve 90% a mais de chance de votar em Bolsonaro, mas não houve diferença estatística entre católicos e evangélicos tradicionais.

— Não dá para considerar evangélicos como um grupo monolítico. É importante analisar o comportamento das lideranças, mas também como funciona a sua atuação nas igrejas — diz.

FONTE: O GLOBO

 

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