O governador da Bahia cogita a pré-candidatura à Presidência, diz que a segurança deve entrar na agenda da esquerda e que é preciso condenar a Venezuela
Por Edoardo Ghirotto
access_time 13 set 2019, 10h39 – Publicado em 13 set 2019, 06h30
No momento em que o PT se esforça para encontrar novas lideranças políticas capazes de se mostrar eleitoralmente viáveis, o governador da Bahia, Rui Costa, tomou a dianteira: nesta entrevista a VEJA, ele assume pela primeira vez que poderá ser pré-candidato à Presidência da República em 2022. Reeleito para o segundo mandato com 75% dos votos, o petista conclama os partidos de esquerda a se unirem em uma frente para pensar um projeto de país em oposição ao governo de Jair Bolsonaro, que contemplaria até a discussão sobre a legalização da maconha. Costa considera que essa aliança não deve ser condicionada a uma defesa da liberdade do ex-presidente Lula. E vai contra a direção nacional do PT ao criticar as violações de direitos humanos na Venezuela e pedir o endurecimento de punições a assassinos. Segundo ele, o PT se desconectou da sociedade brasileira e não devia ter lançado Fernando Haddad como candidato em 2018.
Foi um erro o PT ter uma candidatura própria em 2018, em uma eleição marcada pelo antipetismo? Adjetivar dessa forma é ruim. Mas o certo era ter apoiado o Ciro Gomes lá atrás. Essa não é uma opinião que dou com a partida já encerrada. Eu e o ex-governador Jaques Wagner defendemos naquele momento a ideia de que o PT deveria ter um candidato de fora do partido caso houvesse o impedimento do ex-presidente Lula. Nenhuma outra liderança teria condições de superar o antipetismo ou disputar a Presidência em pé de igualdade naquele cenário. A reflexão também tem de ser anterior. Faltou perceber que era preciso dialogar com todos os segmentos sociais, mesmo com aqueles que pensam diferente.
A que o senhor atribui a migração em peso de evangélicos para o núcleo duro do bolsonarismo? Nas primeiras campanhas do Lula, tínhamos de ter edições de materiais específicos para dialogar com eles. Sempre houve uma resistência maior ao PT porque, ao longo do tempo, muitas visões de pregadores evangélicos não se alinhavam com os valores civilizatórios, a exemplo da tolerância à diversidade religiosa e sexual. O PT sempre defendeu o direito de evangélicos de expressar sua fé, mas a forma como você governa conta muito. E, em nível nacional, houve esse descuido por parte do partido com relação à forma.
Há algum ponto que o senhor considera positivo no governo Bolsonaro? Tenho a esperança de que terei algo para citar até dezembro. Por causa da centralidade de recursos, é dramático governar um estado e não saber qual é a política nacional de educação ou de saúde. Mas vejo com bons olhos a intenção de corrigir o erro que foi acabar com o programa Mais Médicos.
Como avalia a estratégia de ação do PT após a eleição de Bolsonaro? Em um momento inicial, muita gente disse que o PT e a esquerda tinham sumido. É natural que a oposição, se tiver juízo, recolha o trem de pouso e deixe o presidente governar, até para não ganhar a antipatia da população. Também é natural que críticas surjam a partir de seis meses de governo, com medidas sendo adotadas ou não. Agora, penso que nós devemos apresentar propostas concretas para que o Brasil retome o desenvolvimento. Não dá para um partido do tamanho do PT, ou simbolicamente forte, como PDT e PSB, ficar só na negativa. Seria muito positivo se essas legendas pudessem se unir para apontar saídas para o Brasil.
Mas o PT ainda está preso a uma narrativa de que foi vítima de golpes, como na prisão de Lula. Isso é efetivo?
Apoio todas as medidas que busquem punir corruptos. Mas as últimas revelações mostram que essa apuração da Operação Lava-Jato foi usada com viés político-partidário. Não sou da opinião de que tudo o que foi apurado é falso ou fruto de manipulação para perseguir e condenar o PT e outros partidos de esquerda. Muitas daquelas coisas têm provas materiais. Entretanto a operação não tinha como alvo apenas corruptos, e sim filiações partidárias. A própria migração do juiz Moro para a vida político-partidária, imediatamente após a eleição, desnuda isso. Não se trata de só defender o partido. Não quero que o Ministério Público ou a Justiça usem prerrogativas para perseguir ninguém.
O PT deve exigir a defesa do “Lula livre” para formar alianças?
Não, não acho que esse é o ponto que deve ser usado pelo PT para condicionar qualquer diálogo com as oposições para formar uma frente. Mas o PT não deve nem pode abrir mão dessa bandeira. Hoje mais do que nunca está claro que Lula não teve direito a um julgamento justo. A condenação no caso do tríplex é uma aberração gigantesca.
O PT também não faz críticas a Maduro e às violações de direitos na Venezuela. O senhor concorda com isso?
Esse é um problema que ocorreu com o PT, porque manifestamos unilateralmente apoio a um dos lados na Venezuela, independentemente do que estivesse ocorrendo. A Venezuela enfrenta o mesmo momento que o Brasil, mas no oposto ideológico. Há sinais claros de que a democracia está sendo desrespeitada e de que agressões estão sendo desferidas contra pessoas e seus direitos.
A Venezuela é uma ditadura?
Assim como considero um exagero dizer que o Brasil é uma ditadura, não tenho elementos para classificar a Venezuela dessa forma. Ainda.
O que acha da recondução de Gleisi Hoffmann à posição de presidente do seu partido?
Tenho defendido a ideia de que devemos discutir métodos, governança e práticas. O PT precisa mais disso do que de um debate por nomes. Eu me filiei ao partido no início da década de 80. Naquele momento, tínhamos núcleos nas comunidades mais pobres e uma capilaridade social grande. Isso se perdeu ao longo do tempo. Houve uma burocratização nas últimas décadas que afastou o povo do PT. Se o partido ainda tivesse esses núcleos, teria sentido o crescimento evangélico nas periferias e a urgência de um debate sobre a violência. Mas, de novo, não se trata de nomes, não gosto de estigmatizar as pessoas. Até porque a Gleisi não conduz nada só a partir da cabeça dela.
O PT hoje não toma quase nenhuma decisão sem consultar Lula. O que acha dessa influência?
O peso dele é grande. Acabei de afirmar que o partido precisa ter uma presença mais capilar na sociedade. E, à medida que isso ocorrer, você diminuirá a liderança individual de todas as pessoas, porque todo mundo passará a ser ouvido. O maior desafio do PT é se reconectar com a sociedade brasileira. Para muita gente, foi o PT que criou a corrupção. Isso é uma falácia. A acusação que se pode fazer ao partido é de não ter correspondido à esperança de que ele enfrentaria aquele modelo político que existia no Brasil. A política brasileira pós-ditadura foi toda financiada com campanhas de dinheiro não regularizado.
Em outros termos, o senhor está defendendo a tese de que está na hora de o PT pensar no pós-Lula?
O Lula é intrínseco ao PT. O debate não tem de ser com ou sem ele. Mas o cenário mundial mudou, a economia mudou. É preciso um novo olhar sobre gestão pública. Nos governos petistas, sistemas de água e esgoto foram financiados pela União. Não é possível replicar isso hoje. Devemos abrir os horizontes. Na Bahia, por exemplo, eu já tenho uma política para atrair negócios em parcerias público-privadas.
Nessa busca por novas lideranças nacionais, quais as características que o diferenciam de outros nomes?
Não tenho vocação para ser coruja que gaba o próprio toco. Mas diria que as marcas do meu governo são o ritmo de trabalho forte e a fala franca e sincera.
Hoje, Fernando Haddad simboliza o futuro do PT? O futuro do PT não está em nomes isolados. A força do PT não está em nomes, nem no de Haddad nem no de outros. O PT é uma ideia de igualdade num Brasil muito desigual. É preciso trabalhar melhor essa ideia para reconstruir o partido, abordando temas a que o PT sempre se mostrou reticente, como a questão da segurança pública. Não pode ter tabu com isso, senão uma parcela considerável da população não nos enxergará como alternativa.
O que a esquerda deveria propor para a segurança pública?
A falta de propostas foi um dos fatores que levaram às derrotas das esquerdas na última eleição. Historicamente, o governo federal se absteve de tratar dessa questão. Isso ocorreu com governos de todos os partidos e criou o entendimento de que era um problema a ser resolvido pelos governadores. No passado, isso até podia ser validado, mas hoje temos organizações criminosas internacionais. Como enfrentá-las sem uma estrutura centralizada? Precisamos ter também um sistema prisional que faça a separação entre quem cometeu crimes de maior impacto à vida humana e quem cometeu os de menor impacto. Não há sentido nenhum em encarcerar autores de pequenos furtos e réus primários. Da mesma forma, defendo o endurecimento de penas para quem tira a vida de outra pessoa, e acho que os partidos de esquerda precisam refletir sobre isso. Essa medida vai ao encontro do que as militâncias de esquerda sempre defenderam, que é o direito à vida humana. Não é possível, sob alegação alguma, concordar que alguém que assassinou uma criança ganhará a condição de semiliberdade depois de cumprir um sexto da pena. Não há nenhuma família que se conforme com isso.
O senhor vê a legalização da maconha e de outras drogas como uma alternativa viável?
Meu secretário de Segurança, apesar de ser delegado da PF, defende a tese de que legalizar drogas de menor poder ofensivo à saúde ajudaria no combate ao crime organizado. As estatísticas de inteligência da nossa polícia reportam que 70% do volume financeiro dessas corporações criminosas, no caso do Nordeste, se deve à maconha. Temos de estar abertos a esse debate para buscar os melhores caminhos de forma técnica e científica. Não acho que a questão será solucionada só pelas vias judicial e policial.
O senhor se coloca como pré-candidato à Presidência em 2022?
Disse isso ao Lula: mais do que projetarem nomes, os partidos deveriam deixar a vaidade de lado. Se cada um quiser se colocar um degrau acima, não vamos conseguir pensar um projeto de país. Hoje, quero construir com outras lideranças essa alternativa. Mas é óbvio que, se digo que estou disposto a construir algo, então estou disposto a assumir qualquer tarefa. Na medida em que me coloco à disposição, concordo em ser qualquer coisa, inclusive não me candidatar a nada. Quero contribuir porque o povo brasileiro não merece passar por isso que está vivendo.
Publicado em VEJA de 18 de setembro de 2019, edição nº 2652
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