Após euforia do consumo, moradores temem perder benefícios assistenciais
SÃO RAIMUNDO NONATO e GUARIBAS (PI) – Sentado na porta de casa, após o almoço, o casal Gessilvado e Ivone do Santos tenta entender junto com os vizinhos em Guaribas, no sul do Piauí, o que vai ser do Bolsa Família a partir de janeiro de 2021.
Beneficiários do programa, que os ajuda a alimentar o filho de 6 anos com R$ 240 mensais, eles viram a renda subir desde o início da pandemia, quando passaram a receber o auxílio emergencial de R$ 600 criado pelo governo.
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Com o dinheiro extra, não só compraram mais comida. Deu para terminar o piso da casa, que antes era de chão batido. Gostaram da oportunidade, mas agora temem o futuro.
No interior do Piauí, o auxílio emergencial significou aumento de renda para muitas famílias pobres. Expandiu o consumo, fomentou a construção civil, aumentou as vendas de alimentos e favoreceu a popularidade do presidente Jair Bolsonaro numa região onde ele teve menos de 15% dos votos em 2018.
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Passada a euforia inicial, a redução do auxílio pela metade e o fim previsto para dezembro, enquanto sobem os preços dos alimentos, começam a gerar dúvidas quanto ao futuro do Bolsa Família, diante da indefinição do governo sobre o plano de substituí-lo pelo Renda Brasil, um programa mais amplo.
— O auxílio melhorou um pouco as coisas, deu para comprar uma comidinha melhor. Consegui cimentar a cozinha. Mas agora a gente está com medo desse “Renda Brasília” — diz Gessivaldo, apertando os olhos sob um calor de 35°C típico dessa época do ano no semiárido piauiense.
Mensagem confusa
“Renda Brasília” é como a maioria das pessoas no interior do Piauí se refere ao Renda Brasil, num sinal da dificuldade de entender a ideia. O próprio governo não se entende sobre o programa pensado para substituir e ampliar o Bolsa Família.
Na semana passada, Bolsonaro afirmou que manteria o Bolsa Família e chegou a proibir a equipe econômica de avançar nos estudos sobre de onde sairia a verba para financiar o Renda Brasil, mas depois deu aval para a discussão no Congresso por aliados.
Nos grotões do Brasil, a mensagem confusa alimenta especulações sobre o fim dos programas de transferência de renda ou a maior dificuldade para obtê-los a partir de janeiro, quando não há perspectiva de melhora significativa da economia e do mercado de trabalho.
Outro temor em relação ao Renda Brasil é o governo adotar um novo cadastro por meio de aplicativo ou internet, como no caso do auxílio emergencial.
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Os beneficiários do Bolsa Família foram incluídos automaticamente, mas os que não recebiam o benefício tiveram dificuldades para se inscrever e receber os R$ 600.
O impacto do auxílio emergencial no Piauí é uma demonstração de como o benefício afetou a economia das regiões mais pobres do país. Segundo o IBGE, 44% dos domicílios do país receberam o benefício, mas no Norte e no Nordeste foram cerca de 60%. No Piauí, 61,7%.
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A 650 quilômetros de Teresina, já perto da divisa com a Bahia, Guaribas foi o berço do Bolsa Família. Foi escolhida em 2003, no início do governo Lula, quando tinha o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano do país, como cidade-piloto para implantação do Fome Zero e do Bolsa Família.
Quase duas décadas depois, a cidade de 4,5 mil habitantes continua dependente do benefício, esperado todo mês por 1.008 famílias. Apenas 7% da população é ocupada, de acordo com o IBGE.
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981 lares salvos da fome
O Ministério da Cidadania estima que aproximadamente 73% dos lares do município são diretamente beneficiados pelo Bolsa Família. Sem ele, 981 famílias estariam na extrema pobreza. Todo esse contingente passou automaticamente a receber pelo menos R$ 600 desde abril.
Em algumas casas, o valor é maior, porque mais gente é elegível. Em Guaribas, 2,1 mil pessoas recebem o auxílio emergencial. O pagamento médio do Bolsa Família é de R$ 189 por lar.
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Aos 27 anos, Gessivaldo faz bico em roças da região para complementar a renda, assim como outros trabalhadores da agricultura de subsistência, que é a principal atividade econômica da cidade.
Mas a seca que fere o solo arenoso faz com que a produção agrícola seja quase inexistente. Ivone se diz preocupada com o Bolsa Família diante das notícias que ouviu sobre o Renda Brasil:
— Vai precisar se recadastrar? A gente que já ganhava vai perder tudo? Eles deram tudo isso nesse ano para tirar tudo depois? Ninguém sabe.
Fonte: O GLOBO
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