Economistas avaliam que demora teria impacto não só na economia, mas também na disseminação do coronavírus
A ajuda do governo aos trabalhadores informais precisa chegar rápido para mitigar os efeitos da parada brusca na economia, na avaliação de especialistas. Eles alertam que, se o auxílio de R$ 600 demorar, o principal risco não é econômico, mas sanitário. A necessidade de sair de casa para garantir a subsistência pode multiplicar o potencial de disseminação do coronavírus.
– Se não fizer chegar rápido, as pessoas vão ficar sem alternativa. Vão ter de voltar ao trabalho. Se isso ocorrer, a pandemia vai se expandir, e o dano econômico será muito maior. Vai se gastar mais dinheiro, e vão ocorrer muito mais mortes. Proteção social tem de ser vista como mecanismo para proteger a população e minimizar a recessão – afirmou Marcelo Medeiros, especialista em desigualdade de renda e professor visitante na Princeton University.
O país tem 42 milhões de trabalhadores informais, de acordo com dados do IBGE. Segundo especialistas, a maior urgência no momento é fazer os recursos chegarem às periferias.
— O foco tem de ser a baixa renda em periferia urbana, metropolitana, por causa da concentração de informais. A densidade é alta, e o contágio é muito forte. Se essas pessoas forem se proteger, não terão dinheiro para comer. Vão ficar desesperadas e isso gera enorme potencial de mal-estar social — afirmou Sonia Rocha, especialista em desigualdade.
Para Marcelo Neri, da FGV, o maior risco é para o combate à pandemia:
— As pessoas precisam de um mínimo de conforto para poderem se proteger.
Naercio Menezes Filho, economista do Insper, alerta que se não forem tomadas medidas para aliviar o sofrimento das pessoas, o país pode enfrentar uma tragédia social:
— As pessoas não vão ter como comprar alimento, produtos de higiene. Tem de aumentar o valor do Bolsa Família, ajudar essas famílias. Essas medidas, inclusive, atenuam o efeito da recessão, além de ser ação humanitária…
Partir de dados existentes
Para Edu Lyra, coordenador e fundador do Instituto Gerando Falcões, rede de ONGs dentro de favelas, o custo de não auxiliar os mais pobres rapidamente poderá ser mais alto do que o valor em si do benefício, em virtude do risco de consequências sociais:
— Se o auxílio demorar para chegar, haverá uma hecatombe social. Imagina um brasileiro que está há dois dias sem comer, que acorda e vê os filhos pedirem arroz, feijão e não pode dar? Não podemos vencer a Covid-19 e deixar milhares de brasileiros largados à própria sorte. Os pobres precisam ser colocados no plano estratégico do país.
Para Regina Esteves, presidente da ONG Comunitas, dedicada à inovação na gestão pública, o governo deveria ter um olhar mais atento às informações de que já dispõe sobre as famílias em situação de pobreza para usá-las como base para o pagamento de benefícios.
A ONG fechou parceria com o governo do estado de São Paulo e com a prefeitura da capital paulista para analisar os bancos de dados de famílias em situação de pobreza e, a partir disso, pensar em políticas de transferência de renda.
— A vantagem é a agilidade para o dinheiro chegar a quem precisa — disse Regina.
A partir da análise, foram identificados 700 mil alunos da rede estadual em situação de vulnerabilidade social e sem merenda. As famílias devem receber vouchers de R$ 51 por aluno até o dia 15 de abril.
Em outra frente, 26 mil microempreendedores cadastrados no Sebrae paulista devem receber R$ 600 como compensação pelos dias parados. O pagamento será feito em contas digitais, sem necessidade de ir a uma agência para abrir novo cadastro.
O envio de cartões tem vantagens em relação a métodos como vouchers, considerados mais suscetíveis a fraudes, além de minimizar idas e vindas para receber o recurso.
Segundo Ricardo Henriques, superintendente do Instituto Unibanco e coordenador da equipe que criou o Bolsa Família, é fundamental usar a estrutura já disponível, que é a base do Cadastro Único, no qual se consegue identificar a composição da família:
— Velocidade é fundamental. Ter uma transferência para renda básica emergencial para todo mundo que está no cadastro. É óbvio que tem problemas de atualização. Além disso, é preciso colocar na linha de frente Caixa e fintechs para fazer cartões rápidos e distribuir para as pessoas.
O risco de demora no repasse de recursos é de caos social, segundo Francisco Menezes, coordenador do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas). Ele sugere que o governo faça parceria com organizações e associações para fazer o dinheiro chegar. Outra possibilidade é o reativamento dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras), responsáveis pelo Cadastro Único, embora isso demande tempo e dinheiro.
— Estamos vivendo situação de absoluta urgência. Uma coisa é a classe média, que consegue enfrentar a situação no isolamento. Outra é a pessoa que não tem comida e que vai procurar desesperadamente uma saída na rua — disse.
Levantamento do Instituto de Estudos de Políticas de Saúde (Ieps), fundado por Arminio Fraga, mostrou que 33% dos trabalhadores informais no país são idosos ou sofrem de doenças crônicas.
— Nesse momento de curva ascendente da doença, quanto maior a exposição, interação, mobilidade, pior. Mesmo entre pessoas saudáveis. Tudo indica que a mortalidade pode ser maior — afirmou Rudi Rocha, diretor do Ieps.
Fonte: O GLOBO
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