Em relato inédito de sua delação premiada, ex-ministro diz que ‘praticamente todos’ órgãos da gestão Lula foram divididos com objetivo de arrecadação
Aguirre Talento
03/10/2019 – 17:00 / Atualizado em 03/10/2019 – 20:06
BRASÍLIA — Em um vídeo
inédito de sua delação premiada assinada com a Polícia Federal e homologada pelo ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, o ex-ministro Antonio Palocci apresenta
detalhes de como o governo do ex-presidente Lula
teria loteado os órgãos da administração pública para arrecadar recursos aos
partidos da base do governo — e às vezes até mesmo para a oposição. Segundo
Palocci, somente alguns órgãos considerados “sensíveis” ficaram de fora do
suposto esquema ilícito, como o Banco Central.
O relato faz parte de um dos anexos da delação do
ex-ministro, que aborda uma suposta “organização criminosa”
relacionada ao PT. O partido nega as acusações e afirma, em nota, que a farsa
foi denunciada nos autos e comprovada pelas mensagens vazadas dos procuradores
no Telegram.
Ex-ministro da Fazenda no governo Lula e homem da estrita confiança do ex-presidente, fundador do PT em Ribeirão Preto em 1980, Palocci começa o seu depoimento relatando que o partido cometia ilícitos pontuais, mas que os desvios se tornaram “sistemáticos” após a chegada de Lula ao Palácio do Planalto, com o objetivo de consolidar a hegemonia política do PT.
s ilícitos da organização do PT vêm de antes da eleição, mas eles se tornam sistemáticos, mais determinados e organizados a partir da posse do ex-presidente Lula. Na verdade, partem da visão de que, uma vez o PT tendo conquistado o governo federal, deveria montar máquinas políticas e financeiras capazes de enfrentar as outras forças políticas e estabelecer uma hegemonia do PT e de seus aliados na política brasileira — afirmou Palocci.
O ex-ministro afirma que essa forma de atuação acabou sendo responsável por provocar o escândalo do mensalão, porque o PT montou um esquema de arrecadação de recursos para financiar partidos aliados e fechar apoio nas eleições de 2004. Palocci cita que a estatal Petrobras foi vista desde o início como uma forma de fazer caixa para os partidos políticos, devido à independência de cada uma de suas diretorias.
— Segunda coisa que vale a pena ressaltar: não eram todos os órgãos que tinham o mesmo modelo de atuação. Por exemplo, a Petrobras foi desde o início montada para fazer caixa, a diretoria da Petrobras. Não dá para dizer a mesma coisa do Banco do Brasil ou de outras estatais, da Caixa e de outras. Isso veio ao longo do tempo, a forma foi muito mais atenuada. Por que isso? Primeiro, porque se procurou os locais que poderiam gerar valores mais significativos. Segundo, porque existiam organismos mais resistentes. Então o Banco do Brasil era um organismo resistente ao ilícito, dessa forma era mais difícil organizar um processo de contratações, de ilegalidades dentro do Banco do Brasil. A Petrobras era uma máquina enorme, e os departamentos eram muito independentes — explicou Palocci.
le cita que, nesse sentido, o PT começou a usar a diretoria de Serviços da Petrobras para arrecadar recursos –essa diretoria foi ocupada por Renato Duque. Palocci diz ainda que o PMDB indicou Jorge Zelada para ocupar a diretoria Internacional da Petrobras também com esse objetivo.
Questionado pelo delegado da PF que conduz o depoimento sobre quais outros órgãos foram loteados para arrecadação de recursos, Palocci responde que houve poucas exceções.
— Praticamente todos, com exceção de alguns órgãos muito sensíveis que eu mesmo pedi para o presidente Lula deixar de fora desse jogo. Por exemplo, Banco Central nunca participou diretamente desse jogo de cartas. Valdemar Costa Neto (ex-deputado do PR, atual PL, e condenado no mensalão), por exemplo, ele pedia sistematicamente a minha demissão e a do (Henrique) Meirelles porque ele queria a diretoria de fiscalização do Banco Central, que é quem fiscaliza os bancos do país. Obviamente, para fazer dali um centro de arrecadação do seu partido. Nós não concordamos com isso, falamos pro presidente Lula que roubar ali era um perigo, desestabilizava a moeda brasileira e não apenas uma atividade setorial, e ele acabou concordando — relatou Palocci.
Segundo o ex-ministro, até os partidos de oposição se beneficiaram dessa divisão. Palocci cita o caso da participação em obras federais da Cemig, estatal do setor elétrico do governo de Minas Gerais, que era comandado pelo PSDB.
— Fora isso (da área econômica) todos os órgãos, Correios, os órgãos do setor elétrico, os bancos estatais, todos foram ocupados mais ou menos nesse modelo de distribuição de cargos para financiar os partidos políticos da base do governo. Algumas situações financiaram a oposição também. Se nós formos pegar algumas situações como a parte elétrica financiavam muito a oposição também. O setor de Minas Gerais, com a Cemig, (ela) entrava em várias grandes obras do governo federal e os líderes da oposição de Minas Gerais recebiam muito dinheiro desses projetos. Assim aconteceu também com o submarino, a obra do submarino da Odebrecht, o dinheiro foi mais pra oposição do que pro PT porque tinham relacionamentos que eles tinham que dar conta — disse Palocci.
No vídeo, ele conta ainda que o ex-presidente Lula iniciou esse loteamento com objetivos apenas de arrecadação partidária, mas depois acabou se beneficiando pessoalmente dos valores ilícitos.
— De maneira geral, tudo se iniciou em termos partidários. O objetivo de todas essas estruturas era arrecadação para financiamento partidário, mas a realidade se impôs, então eu diria que em pouco tempo praticamente todas as pessoas envolvidas tinham também comprometimento pessoal, inclusive eu. (…) O presidente Lula também começou só olhando campanha. (Mas) Já no fim do seu primeiro mandato, muita coisa pessoal ele tinha pedido pra ele, em termos de dinheiro, que eu pessoalmente levei e entreguei pra ele. No fim do seu segundo mandato, aí ele preparou sua aposentadoria. Recebeu R$ 300 milhões da Odebrecht numa conta corrente disponibilizada, recebeu seu sítio, que foi feito combinado pra seu uso, o apartamento do qual ele foi condenado (…) Não sei se outros levaram, mas eu pessoalmente levei em pacotes de 50 mil reais algumas vezes ao presidente Lula — afirmou Palocci.
OUTROS LADOS
Em nota, a defesa de Lula afirmou: “Palocci mais uma vez recorreu a mentiras em relação ao ex-presidente Lula, tanto é que não apresentou uma única prova sobre suas afirmações. Ele é instrumento do “lawfare” praticado contra Lula pela Lava Jato. Declarações de delatores carregam consigo a presunção de que são mentirosas, segundo a própria legislação de regência (Lei nº 12.850, art. 4º, §16). No caso de Palocci essa presunção é ainda mais acentuada, pois: (i) sua delação foi rejeitada até mesmo pelos procuradores da Lava Jato que sempre tiveram “obsessão” por Lula; (ii) preso pela Lava-Jato, ele somente conseguiu deixar o cárcere após produzir afirmações contra Lula; (iii) já comprovamos que algumas afirmações feitas por Palocci constavam em roteiros escritos que ele portava; (iv) nas oportunidades em que já foi confrontado em audiência, Palocci não conseguiu apresentar sequer uma testemunha que tivesse presenciado suas mirabolantes afirmações”.
A assessoria de imprensa do PT respondeu em nota: “O esforço da Lava-Jato e das Organizações Globo para requentar as mentiras de Antonio Palocci torna-se cada vez mais patético na medida em que ficam ainda mais evidentes os rimes e armações dos procuradores e do ex-juiz Moro contra Lula e o PT. A farsa foi denunciada nos autos, comprovada pelas mensagens dos procuradores e confessada em detalhes pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot. Melhor aceitar a realidade, reconhecer os erros e corrigir as injustiças do que seguir se associando a acusações sem provas que não se tornam menos mentirosas quando passam do papel para o vídeo”.
A assessoria de imprensa do PL afirmou que “o ex-deputado Valdemar Costa Neto tem por norma não comentar conteúdos que serão submetidos ao exame do Poder Judiciário”. A assessoria de imprensa do PSDB afirmou que a atual gestão do partido não tem informações sobre o assunto citado por Palocci, referente à Cemig.
A assessoria de imprensa do MDB afirmou que “não praticou nenhum ato citado na matéria nem indicou qualquer pessoa para cargo na Petrobras. O partido defende investigações céleres caso alguém do partido seja citado, para que os fatos sejam esclarecidos”.
Fonte: O GLOBO
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